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Eleições municipais e a presença da Justiça Eleitoral. Por Raimundo Nonato Silva Santos

Desembargador Raimundo Nonato Silva Santos do Tribunal de Justiça do Ceará. Presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Ceará. Foto: TRE-CE

Por Raimundo Nonato Silva Santos
Post convidado

Muito tem se falado sobre o impacto das novas tecnologias nas eleições e no processo político como um todo. Esse é um dos assuntos que estão na pauta da Justiça Eleitoral, especialmente em ano de eleições municipais, como é o caso. Mas antes de falarmos das máquinas, das maravilhas, oportunidades, problemas e dos desafios gerados pelo processamento massivo de informações em ambiente digital, convém olhar um pouco para o aspecto geográfico e humano em nossa volta. Afinal de contas, já dizia a sabedoria milenar que “o homem é a medida de todas as coisas” (Protágoras).

A realização das eleições envolve um esforço conjunto da Justiça Eleitoral, de outros órgãos públicos e da sociedade civil convocada para prestar auxílio. A gestão desse processo eleitoral e a solução dos conflitos que dele emergem é conferida, no Brasil, em última análise, aos juízes e juízas. Soma-se a isso o importante papel do Ministério Público Eleitoral como fiscal da lei e órgão legitimado a propor medidas judiciais para coibir abuso de poder político, corrupção eleitoral, crimes eleitorais, má aplicação de recursos de campanha, dentre outros ilícitos.

Temos, portanto, um modelo que prima por garantir a lisura das eleições, ao atribuir sua gestão e fiscalização a órgãos que gozam de uma elevada estatura constitucional, isto é, órgãos que detêm relevantes poderes e garantias, que asseguram à sociedade uma condução das eleições com qualidade técnica, independência e imparcialidade.

No Ceará, temos um total de 117 juízes eleitorais, sendo 17 na capital e 100 espalhados no interior do estado. Algumas zonas eleitorais do interior possuem apenas um juiz com jurisdição sobre dois, três ou até quatro municípios. Em anos eleitorais e sobretudo nas eleições municipais – em que as atividades de fiscalização e julgamento se concentram no primeiro grau de jurisdição -, a ausência de magistradas(os) e promotoras(es) eleitorais em alguns municípios interioranos é uma preocupação legítima e premente.

Pelo caráter sazonal das eleições, é esperado que a força de trabalho da Justiça Eleitoral sofra variações periodicamente. Próximo às eleições, os tribunais regionais eleitorais reforçam as requisições de servidores de outros poderes, aumentam o número de horas extraordinárias trabalhadas pelos seus próprios servidores e convocam milhares de voluntários para a preparação e realização do pleito. Todavia, percebo uma importante lacuna quando à presença de juízes e promotores em alguns municípios.

Para os municípios que não são sede de zona eleitoral, a praxe tem sido a designação de um juiz para auxiliar nos trabalhos, apenas nos dias imediatamente anteriores à votação. Tenho forte convicção de que esse modelo precisa ser aperfeiçoado, com a designação desses juízes (e também de promotores) auxiliares desde o momento em que verdadeiramente se inicia o processo eleitoral. Neste ano, a data de 20 de julho de 2024 inaugura o período de prioridade máxima e de atenção intensiva às atividades eleitorais.

O desejável é que cada juiz e promotor eleitoral atue em um ou, no máximo, dois municípios. Dessa forma, a Justiça Eleitoral e o Ministério Público Eleitoral podem intensificar sua presença e conferir maior proximidade no acompanhamento das atividades dos partidos e candidatos locais.

Essa proximidade é indispensável, não só para transmitir aos cidadãos dos locais mais isolados a sensação de justiça, mas também para garantir agilidade nas decisões, julgamento célere das ações contra ilícitos eleitorais, fiscalização efetiva da propaganda e o contato pedagógico com a população e os atores políticos.

Num contexto de preocupação com o uso das novas tecnologias (inteligência artificial, deep fake etc) e da consequente necessidade de reação da Justiça em tempo cada vez mais curto, não se pode descurar do elemento humano no planejamento das eleições. O desafio trazido pela crescente criminalidade é outro ponto que demanda atenção e presença efetiva da Justiça em todos os municípios, de modo a coibir a cooptação do Estado por facções criminosas.

No TRE-CE já se iniciaram os estudos a fim de viabilizar o aumento do período de atuação de juízes e promotores nos municípios mais desassistidos. Os recursos financeiros para o incremento dessa atuação sairiam do próprio orçamento já estabelecido para as Eleições 2024, mediante corte ou racionalização de outras despesas. Logo, sem ônus adicional ao erário.

A iniciativa foi fruto de um oportuno requerimento apresentado pelas associações de magistrados e membros do Ministério Público do Ceará à Presidência do TRE-CE. Iniciou-se também o diálogo com o Tribunal Superior Eleitoral, que certamente será sensível ao tema. Outros tribunais regionais se interessaram em seguir a inovação idealizada no TRE-CE, adaptando-a às suas peculiaridades geográficas.

O aumento da presença da Justiça junto à população do interior do Estado é medida que se impõe. Não de forma tímida ou decorativa, mas com o vigor da nossa pujante Democracia. Precisamos avançar urgentemente, afinal de contas, “a injustiça em qualquer lugar é uma ameaça à justiça em todo lugar” (Martin Luther King Jr.).

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