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Pode ser a gota d´água, Ciro

Caro Ciro Gomes,

Escrevo-lhe na condição de seu eleitor frequente. Votei em você para governador e não me arrependi. Posso contar para meus netos: “Eu conheci um cara que fez um rio” – porque bebi água do Canal do Trabalhador. Votei novamente em 2018 e também não me arrependi. O pesadelo que se seguiu à sua derrota me dispensa de reafirmar o acerto de minha decisão.

Outro motivo para me sentir à vontade é que em nenhum momento cedi à tentação, tão pragmática quanto abusiva, de defender como dever moral seu renunciar à própria candidatura para apoiar a Lula no primeiro turno. Que eles tenham feito disso pauta de campanha é coisa de eleição mesmo. Mas ninguém pode ser condenado por suas esperanças.

No entanto, discordo quando você estabelece uma simetria absurda entre Bolsonaro e Lula. Você sabe muito bem, Ciro, a diferença fundamental: Lula é um democrata e Bolsonaro um fascistóide. Um democrata nunca será o outro lado de uma moeda cujo valor de troca é a defesa de retirar de você mesmo o direito de expressar suas opiniões mais contundentes.

E discordo, mais ainda, quando você afirma que “Bolsonaro não representa ameaça real à democracia”. Por respeito à sua inteligência, confesso: sequer acredito na sinceridade de sua declaração. Você sabe que nos dias atuais as democracias morrem por processos diversos daqueles que conhecemos na nossa juventude (nascemos, ambos, no mesmo dia).

De modo que este é o conjunto de motivos que une e separa você deste simples eleitor que vem aqui para lhe fazer um pedido: faça um gesto decisivo para sepultar de vez a ameaça que representa a possibilidade de que a maioria do povo brasileiro cometa a insanidade de reeleger Bolsonaro à presidência. Chega de tanto horror e sofrimento!

Peço, repito, que faça um apelo inequívoco aos eleitores indecisos para que não permitam a continuidade de um governante celerado, de evidentes traços psicopatas, que condenou à morte centenas de milhares de cidadãos, assistido com criminosa passividade pela maioria dos parlamentares do congresso nacional, igualmente responsáveis.

Você tem razão: o Partido dos Trabalhadores é avaro em gratidão com seus aliados. As contrapartidas do apoio recebido quase sempre são desproporcionalmente pouco agradecidas. E não estamos sós nessa crítica: sei bem o que pude ouvir, pessoalmente, de Luíza Erundina, Eduardo Campos e Marina Silva a esse respeito. Os caras lá se acham.

Mas penso que o quadro crítico do momento histórico reclama de você o exemplo de grandeza que não quiseram lhe oferecer. Alerte ao povo, que você declara amar, que ele tem diante dos pés o beiral do abismo. Esclareça, com sua qualificada retórica, que o ponto de partida ao qual precisamos retornar é, apesar de tudo, menos movediço.

Assim, Ciro, quando as urnas se abrirem e a apertada maioria nos tiver livrado do perigo, nenhum daqueles que você julga ingratos poderão negar a hipótese incômoda de que terão devido a você o gesto final que decidiu o destino do país. Em latim vulgar: é pênalti, meu irmão! Estamos aos 45 minutos do segundo tempo. Vá lá e faça!

Faça. Você pode fazê-lo sem retirar nada do que de fundamental tenha sustentado. Sem recuo algum. E faça disso, com humilde grandeza, o gesto inicial de sua campanha presidencial para 2026. Sei que seu coração “é um pote até aqui de mágoas”. Mas use sua celebrada inteligência, homem: faça. Pode ser a gota d’água.

Sem mais para o momento,
Ricardo Alcântara

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Ricardo Alcântara é publicitário, escritor e articulista do Focus.

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