Escrevo esse texto a mão, como escreviam os antigos romancistas russos. Desconheço se as antigas romancistas russas assim igualmente procediam, manuscrevendo os mais sofridos escritos. Porém, como nada sei sobre elas, e como não alcanço a fímbria dos pesados casacos de pele deles, deixo o dito pelo não dito e recomeço.
Escrevo a mão sem pena, mas sim como pena para pagar meu esquecimento, cada vez mais frequente: viajei, e esqueci em casa o carregador do computador, um modelo antigo, com acessórios que não encontro à venda em lugar nenhum por onde circulo. O castigo de tal pecado recai sobre a mão nua, ornada apenas pelo peso da caneta entre os dedos, e o medo de errar que me leva a ranger os dentes.
Difícil, o ato de escrever a mão, para quem se confessa dependente das telas e teclados. Parece que as palavras nos faltam, na ausência do meio que costumava invocá-las, corporificá-las, dar a elas forma e sentido. E as palavras encontradas, pousadas sobre o papel em sua versão manuscrita, parecem perder a força que outrora possuíram, e com a qual foram compostas as grandes obras, preciosos escritos, os mais valiosos livros.
Escrevo a mão: para o ano que vem, farei isso e aquilo. Para o ano que vem, deixarei de fazer aquilo ou isso. Curiosamente, a expressão “para o ano que vem”, uma vez traçada a tinta no papel, se desequilibra entre o paralelo das linhas e assume o formato de “paruano”, termo inexistente em dicionários, distorcido e irregular, gramaticalmente incorreto, estranho aos olhos, porém ressoando em inspirada harmonia junto a nossos ouvidos.
Se não existisse o vocábulo “paruano”, sei por certo que alguém, algum dia, trataria de inventá-lo, pela concisão e tamanha precisão de seu significado.
E, por se aproximar a chegada de mais um novo ano, redijo a mão uma lista desordenada de desejos e aspirações, tanto meus quanto ouvidos de outras gentes, de promessas e compromissos largados soltos por aí, de expectativas e esperanças minhas ou alheias, fadadas a findar na memória, na caixa de lixo do computador – caso me fosse possível utilizá-lo –, ou no cesto transbordante de papel, boquiaberto e faminto a meu lado.
A primeira delas: paruano emagreço.
Paruano começo a me exercitar.
Ou volto à academia.
Ou pelo menos paro de pagar.
Paruano aprendo a me aceitar e não me preocupar com todo mundo.
Paruano vou ler mais, estudar mais, tentar ser mais profundo.
Paruano aprendo a cozinhar. Ou vou estudar inglês/francês/violão/piano.
Vou conhecer Letônia, Estônia e Lituânia, paruano.
Paruano me endireito.
Paruano quero vencer meus defeitos.
Paruano, tudo que eu quiser eu alcanço (ou paruano eu danço…).
Paruano não me espanto mais com nada.
E aprendo a ficar calada.
Paruano retomo contato com fulano e sicrano.
Paruano, nem me iludo, nem me engano.
Paruano deixo para trás as rixas antigas e vou fazer mais amigas.
Paruano não será ano de despedidas, mas de chegadas.
Paruano boto o pé na estrada.
Paruano me organizo, me ajeito.
Paruano vou atrás de outro emprego.
Ou então, onde estou, sossego.
Paruano plantarei velas e colherei estrelas.
Paruano será um ano de coisas belas.
Paruano vou depender menos da tecnologia das telas.
Paruano volto a crer no amor eterno.
E, para findar, paruano hei de comprar um computador mais moderno.
