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Notre Dame, Sri Lanka e cristãos dizimados, por Catarina Rochamonte

Catarina Rochamonte é graduada em Filosofia pela UECE, Mestre em Filosofia pela UFRN e Doutora em Filosofia pela Universidade Federal de São Carlos (Ufscar).

O terrível simbolismo

Tão logo soube-se do incêndio em Notre-Dame, o escritor Flávio Gordon postou na sua rede social a imagem da catedral em chamas acompanhada da expressão: “terrível simbolismo!” O homem moderno, porém, quase já não apreende o que é “terrível” e mal compreende o “simbolismo” que o escritor tentou destacar. Lemos mais lamentos pela perda arquitetônica ou pelo patrimônio histórico do que pela perda da noção do sagrado que tais lamentos refletem ao não conseguirem dar conta do que é mais relevante em tudo isso: a decadência da Europa, cuja tradição espiritual cristã vem sendo substituída por uma “ética de pretensões universalistas inteiramente secular e intramundana[1]
Em “Le sacré et le profane”, Mircea Eliade explica que a ordem diferente que é o sagrado  manifesta-se justamente em objetos que fazem parte integrante do nosso mundo natural e profano. A essa manifestação ele chama hierofania. Toda hierofania apresenta esse paradoxo de tornar um objeto ou um espaço uma outra coisa, que não é adorado ou cultuado por ele mesmo, mas por revelar o sagrado através dele. Ao contemplar a catedral de Notre-Dame de Paris em chamas em plena semana santa, o homem moderno, cujo aspecto sagrado da existência foi renegado só tem sensibilidade para a perda do patrimônio cultural e histórico (quando muito), mas se encontra espiritualmente anestesiado, incapaz de sentir o golpe que esse episódio representa para a alma espiritual da França e da cristandade de modo geral.
Para o homem religioso, explica Eliade, a manifestação do sagrado apresenta um rutura no espaço, estabelecendo a diferença entre as duas modalidades de ser no mundo, entre as duas situações assumidas pelo homem na sua história: a sagrada e a profana. Para o homem que assumiu apenas a modalidade profana da existência, a catedral será simplesmente um aglomerado de pedras, um museu, um exemplar de extravagante arquitetura, um ponto turístico rentável ou um patrimônio mundial da Unesco. Para o indivíduo aberto à experiência do sagrado, porém, a catedral de Notre-Dame de Paris é um dos mais belos templos dedicado à virgem santíssima, mãe de Nosso Senhor Jesus Cristo; é um símbolo esplendoroso do cristianismo, construído em uma egrégora, em meio a mistérios até hoje não totalmente conhecidos. Sua destruição pelo fogo em plena semana santa tem obviamente o peso de um “terrível simbolismo.”
Por outro lado, o simbolismo do incêndio não foi apenas “terrível”. Das cinzas da catedral restou o simbolismo eterno da eterna aliança: “o que sobreviveu à fúria infernal das labaredas não é menos simbólico do que a fachada enegrecida: nada menos que todo o altar principal, a monumental estátua da Virgem (esculpida no século 18 por Nicolas Coustou), a grande cruz de madeira folheada a ouro e relíquias como a Santa Coroa e pedaços da cruz e dos pregos usados na crucificação.[2]
Vivemos em uma época em que cristãos são novamente ameaçados, decepados e dizimados. Nesse domingo de páscoa, o sangue cristão jorrou nas igrejas do Sri Lanka com um saldo de quase 300 mortos. Fomos todos marcados pela cruz, mas acusamos de fanáticos quem ousa teclar Deus Vult. Dizemo-nos cristãos, mas fechamos os olhos para a clara perseguição que nossos irmãos sofrem no oriente. Sob o pretexto de tolerância religiosa e multiculturalismo, vamos de mãos dadas com os muçulmanos em seu antiocidentalismo e ódio à civilização, defendendo ingênua ou irresponsavelmente a religião sob cujo influxo voam as nossas cabeças. O uso do termo “islamofobia” em tempos de matança de cristãos não é indicativo de tolerância religiosa, mas de cegueira ideológica e covardia. Não somos Pedro para ter a honra de negar Cristo apenas três vezes; negamo-lo todos os dias pela nossa ignorância e submissão a todas as visões de mundo que o renegam.
[1]     GORDON, Flávio. Nossa Senhora de Paris. IN Gazeta do Povo, 17/04/2019
[2]     GORDON, Flávio. Nossa Senhora de Paris. IN Gazeta do Povo, 17/04/2019

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