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Santa ignorância. Por F J Caminha

Minha mãe era uma mulher sábia de privilegiada inteligência e de profunda espiritualidade. Certa vez me disse:

“Meu filho, tem horas que eu preferiria viver na santa ignorância do que saber demais”.

O homem simples e sem instrução vive a vida com mais leveza e despreocupado de muitas aflições. O sábio carrega um fardo de responsabilidades e de preocupações. Ter conhecimento nos leva a enfrentar dúvidas e questionamentos morais e éticos, que a ignorância desconhece.
Vamos a um caso concreto:

– Ele, homem público, desfrutava de um casamento estável e harmonioso. O casal tinha duas lindas filhas tão bonitas quanto a mãe. Até que um dia a esposa acessou o celular do marido e viu um rol de conversas íntimas com uma outra mulher. Assustada, agressiva e possessa de raiva interpelou o marido:

– Fulano de tal, conte logo toda a verdade. Quem é essa rapariga com quem você está me traindo? Não minta, a prova está no seu celular. Eu quero saber de tudo.

Ele respirou e calmamente respondeu:

– Te amo muito, mas você não suportaria saber e não está preparada para ouvir a verdade.

Não conformada, ela ligou depois enfurecida para a namorada do marido.

– Alô…
– Aqui é a esposa do fulano de tal, você é uma rapariga safada que quer tomar meu marido e destruir um casamento.

A amante, uma bem sucedida e vocacionada advogada assim respondeu:

– A senhora me respeite. Primeiro, não pretendo acabar casamento de ninguém. Segundo, estou muito feliz no papel de amante e assim quero estar. Agora, você tem que se entender com ele, e não comigo.

A esposa surpresa com a resposta desligou o telefone.

O casamento entrou em uma profunda crise e agora é sustentado por interesse social e econômico.

Trazendo o assunto para minha realidade. Eu faço política partidária desde os 25 anos de idade, mas somente a maturidade me permitiu enxergar as relações humanas com sabedoria e desencanto do futuro. A ignorância inicial do jogo da real política me favoreceu viver por algum tempo mais feliz protegido pela utopia de uma sociedade mais justa, fraterna e igualitária.

De vez em quando me pergunto, se na vida não seria melhor para mim viver a situação da esposa ignorante. Mas a maturidade, conhecimento e a experiência não me permitem. Carrego o fardo de responsabilidades e aflições que a consciência me revela. Na verdade, eu sei como são as regras para a conquista e o exercício do poder. Os segredos dos meus líderes e liderados vou levá-los para o túmulo. Não posso falar a verdade para um leigo na política, o eleitor simples não está preparado.

Confesso que agora vivo o papel da amante que sabe tudo e, mesmo assim, leva a vida feliz, com leveza e sem culpa.

 

Francisco Caminha é escritor, advogado, especialista em Ciência Política e servidor público.

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