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Um cafezinho. Por Angela Barros Leal

Vamos tomar um café – me convida uma amiga ao telefone. Quero tomar um cafezinho com você – mensageia outra amiga, em texto pontuado por emojis variados. Sim, respondo a ambas, com evidentes demonstrações de gratidão, em mensagem de voz ou por escrito. Sim, claro! – retorno a elas, sem sequer ir atrás de explicitar o que elas próprias se abstiveram de detalhar: os elementos fundamentais, naturais aos convites, tais como dia, hora, lugar.

Em sã consciência, penso que ninguém acredita que a frase “vamos tomar um café” – sujeito oculto, verbos, artigo indefinido e substantivo, esse último adornado por um ponto de interrogação ou, mais significativo ainda, por um ponto de exclamação –, signifique o desejo orgânico, premente, de alguém se deslocar a dado local, em certa hora, para ingerir a referida bebida, suspensa no território da abstração, onde costuma se hospedar.

Vamos tomar um café não é um convite. Não é um chamamento real. Vamos convir que mais próximo se encontra de um estado de espírito. Que se trata da manifestação do desejo difuso de estabelecer convivência humana, interpessoal. É um código de tão brasileiro entendimento, uma ideia coletiva que consegue corporificar, em uma xícara fumegante da bebida, o imbatível sentimento da amizade.

Na realidade, quando se traduz a frase, na gramática afetiva da língua portuguesa, vamos tomar um cafezinho equivale a dizer andamos em dívida uma com a outra, minha vida está corrida, o trabalho continua me sobrecarregando, minha família exige muito de mim, não consigo dar conta dos meus compromissos, faz tempo que não nos vemos –, mas tenho pensado em você, e o distanciamento tem sido mais um fardo sobre meus ombros, curvados de remorso.

Para o encontro, o café sequer precisa ser de fato a mencionada bebida estimulante, descoberta ao acaso pela observação atenta de um pastor de cabras, ao observá-las saltitantes entre desfiladeiros e penhascos do Iêmen. Sem prejuízo algum, o nominado café pode assumir a forma de um suco de frutas, de uma água de coco, de um chocolate gelado, acompanhado por um prato de cuscuz, uma tapioca amanteigada, um mero sanduíche, qualquer alimento com formato, textura, temperatura, cor e sabor distantes do café original.

Isso porque, no convite ao cafezinho, o que importa é o caminho aberto para a proximidade física, é o estabelecimento de oportunidades para repartir experiências e pensamentos em torno de uma mesa, de preferência diminuta, propícia a reduzir a distância entre bocas, ouvidos e corações, ou mesmo ao pé de um balcão, quando o intervalo de tempo se faz menor.

Fico pensando se outras culturas, alheias à nossa, compartilham códigos equivalentes.

Vamos tomar um copo de leite – devem dizer as saudáveis holandesas, cabelos ao vento diante de seus moinhos, quando anseiam estabelecer um momento de convivência. Vamos a um prato quente de sopa – podem se prometer as lituanas, esfregando as mãos no frio invernal. Tomemos um chá – convidam-se as inglesas formais, ansiando pelo toque humano ao pé de suas lareiras.

São estereótipos, bem sei, porque nada existe como o cafezinho, e seu pacote de promessas de intermináveis contatos, e nada como o cafezinho, carimbando sua linha irregular de círculos escuros sobre a superfície onde repousam, tecendo diálogos que se alongam de fim de tarde a dentro, matando a ânsia de relacionamentos.

Se me convidam para um café, como fizeram as duas amigas, embora os dados concretos estejam ausentes, a sensação é de proximidade, de uma confraternização suspensa no espectro das ondas eletromagnéticas ou mecânicas de nossas formas atuais de comunicação. Deixo a definição de datas, horas e locais a cargo delas. Sei que, mais cedo ou mais tarde, serão materializadas ao arbítrio de cada uma, sem dúvida mais ocupadas do que eu.

E aproveito para trazer à mente antigas dívidas com outras amigas, de outros círculos afetivos, e me proponho a ligar para elas qualquer dia desses, com o mesmo convite cifrado. Com certeza, irão entender a falta que me fazem, e o apreço que tenho por elas, quando eu chamar: Vamos tomar um cafezinho!

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