Pesquisar
Pesquisar
Close this search box.

Terra Firme. Por Angela Barros Leal

Um dia atrás a terra tremeu em Nabunturan, capital da província de Davau de Ouro, nas Filipinas. O terremoto, de magnitude 6, deixou muitos desabrigados entre seus 760 mil habitantes, causou danos materiais, derrubou barreiras sobre estradas e praticamente cancelou os festejos que estavam agendados para aquela data. Como de praxe, uma série de tremores mais leves seguiu-se a esse de grande porte, sem prejuízos maiores. 

O presidente Ferdinand Romualdes Marcos Junior visitou o local, sendo recebido pela governadora Dorothy Montejo-Gonzaga. Juntos, avaliaram a situação e tranquilizaram a população sobre a causa do sismo. Não se tratava de prenúncio de erupção do vulcão Leonard Kniaseff, como temiam os que moram em sua vizinhança, mas de uma esperada acomodação das placas tectônicas da falha filipina. 

No mesmo dia, a terra igualmente tremeu na região de Nova Irlanda, em Papua Nova Guiné, alcançando também 6 graus na escala Richter. Em 365 dias o acontecimento se assinalava como a décima vez em que a terra se mexia na região. O tremor foi amenizado por ter se dado entre os mares de Bismarck e Salomão, a uma profundidade de 10 quilômetros. Nada em terra foi atingido.

De ontem até esse exato momento não recebi mais nenhum aviso de terremoto no aplicativo que baixei para monitorar locais onde residem familiares, e para atender minha curiosidade sobre o equilíbrio do mundo. 

Não estou sendo alarmista. São fatos reais, esses deslocamentos nas profundezas, de extensões descomunais, movendo-se com o gemido inquieto dos primeiros tempos da formação da Terra. São fatos reais essas placas massivas emitindo um bramido partido das entranhas, erguendo-se e acavalando-se em cristas, dando à luz ilhas, arquipélagos, desenhando um novo mapa.

O aplicativo, com suas agulhas incansáveis traçando o ecocardiograma do planeta, é uma verdadeira aula de humildade para nós, os supostos donos da Terra. 

Em círculos amarelo claro e amarelo escuro estão pontuados os locais propícios a terremotos – a força dos sismos indicada pela tonalidade mais forte ou mais fraca do amarelo –, contornando Continentes, atravessando oceanos, subdividindo países e regiões, nos permitindo visualizar a “costura” das placas que compõem o que chamamos “terra firme”, qual fosse a Terra um gigantesco casco de tartaruga.

Intuitivamente, povos antigos imaginavam ser a Terra (que se acreditava plana, redonda ou até mesmo quadrada) sustentada por descomunais tartarugas. De certa forma, a carapaça de placas epidérmicas queratinosas que recobre esse réptil se assemelha ao traçado das rachaduras desenhadas pelos pontos amarelos no mapa do aplicativo. 

O desenho se parece também com o posicionamento dos ossos em um crânio exposto – frontal, parietal, occipital –, visíveis as emendas coladas pelos poderes da Criação, ou pelo mero acaso. 

O pontilhado é intenso na Nova Zelândia. Contorna a Austrália inteira, preservando seu povo de tais terrores, atravessa Papua Nova Guiné, escurece a Indonésia, Malásia, Filipinas, Coreias e Japão. Uns poucos não tiraram a mesma sorte da Austrália e da África no sorteio original da formação do mundo.

O círculo de fogo sobe até os limites entre a Rússia e o Alasca para reaparecer na região da Califórnia e México, descendo para Guatemala, Nicarágua, Costa Rica, República Dominicana, enlouquecendo em tons de amarelo na área do longo perfil chileno. Sobre a imensa placa sul-americana repousa, em berço esplêndido, o nosso Brasil, embora sem esquecer o “costurado” da placa de Nazca, no Peru, pronta a se fazer sentir no Centro-Oeste nacional, e da placa africana, de olho no Nordeste. 

A maior parte da população mundial ocupa trechos inquietos da carapaça dessa tartaruga, ou desse simulacro de crânio sobre o qual pisamos, esquecendo que nossos passos se dão em ruas, avenidas, becos e estradas que a qualquer instante podem se apartar, nos permitindo, por dentro das brechas, ter a visão terrível do borbulhar do magma.

Sendo esse chão tão sujeito a rompimentos e oscilações, em que podemos nós confiar? Andamos sobre superfícies de falsa estabilidade. O que sentimos firme sob nossos pés nada mais é que uma piada cósmica: mais uma a confrontar a nossa segurança, tão inocente, ou tão irresponsável, mais uma a abalar nosso sentido ilusório sobre a permanência das coisas. 

 

Mais notícias