Search
Search
Close this search box.

Temporal no litoral de SP é o maior já registrado no Brasil

Temporal em São Paulo. Foto: Reprodução.

Equipe Focus
focus@focus.jor.br

Os temporais que atingiram os municípios do litoral de São Paulo no último final de semana se tornaram o maior registrado na história do Brasil. De acordo com o Centro Nacional de Previsão de Monitoramento de Desastres (Cemaden), as chuvas que caíram no último sábado e domingo resultaram no acumulado de 682 mm em Bertioga, 626 mm em São Sebastião, 337 mm em Ilhabela, 335 mm em Ubatuba e 234 mm em Caraguatatuba. Um milímetro de chuva equivale a um litro de água por metro quadrado.

Até então, o maior acumulado da história havia sido registrado em Petrópolis, no Rio de Janeiro. No ano passado, a cidade foi castigada com uma chuva de 530 milímetros em 24 horas, que vitimou 241 pessoas. Antes, o maior índice identificado foi em Florianópolis, em 1991, com acumulado de 400 mm em apenas um dia

De acordo com os meteorologistas ouvidos pelo Estadão, os temporais foram causados por uma frente fria que avançou pelo Sul do País na última sexta-feira e que, ao perder velocidade, ficou estacionada sobre o litoral paulista durante o final de semana. Essa frente estacionária acabou sofrendo com a influência de ventos que partiram do oceano, carregados de grande quantidade de umidade.

“Isso manteve as condições de chuva persistentes ou recorrentes e em grandes volumes”, diz Bruno Bainy, meteorologista do Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura (Cepagri) da Unicamp. “Quando temos essa situação de frente fria estacionária geralmente os maiores volumes se concentram no litoral, onde há um grande aporte de umidade dos oceanos para a formação de nuvens de chuva.”

Carlos Nobre, pesquisador sênior do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP, explica que as temperaturas dos oceanos também influenciaram para a formação dos temporais. Ele diz que, por conta do aquecimento global, as águas estão, em geral, 0,8ºC mais quentes do que deveriam.

“Quando a temperatura do oceano passa dos 26ºC, 27ºC, a evaporação aumenta exponencialmente. E o vapor da água é o principal fator da formação das nuvens e das chuvas, principalmente em regiões costeiras”. Segundo Nobre, as águas do litoral de São Paulo estavam entre 27ºC e 28ºC -1 grau acima da média.

“O ar úmido que vem dos oceanos sobe pela serra do mar – que funciona como uma barreira – condensa, e forma-se as gotículas de chuva”, diz o pesquisador da USP. “E como a frente ficou muitas horas em estado semiestacionária, o sistema manteve as nuvens por muito tempo. E, por isso, esse recorde nunca antes registrado”.

Aumento de casos

Os números mostram que as tragédias têm sido frequentes nos últimos anos. Somente no Estado de São Paulo, 34 pessoas morreram no Guarujá em 2020, vítimas de deslizamentos depois de 121 mm de acumulado de chuva. Em 2014, 25 morreram, dois ficaram desaparecidos, 21 desabrigados e 332 pessoas desalojadas, em Itaóca, no Vale do Ribeira, após 24 milímetros de chuva.

O climatologista José Marengo, coordenador-geral do Cemaden, afirma que o aumento de episódios em intervalos mais curtos de tempo está relacionado com as interferências humanas no ambiente, como a liberação de gases de efeito estufa e de desmatamento das florestas. “O aquecimento global aumenta a concentração da umidade na atmosfera, e esse vapor úmido serve como combustível para a ocorrência de chuvas. Ele permite que o ciclo hidrológico aumente e os sistemas de chuvas fiquem mais extremos”, explica.

Como exemplo, Marengo cita os casos de Petrópolis, no Rio de Janeiro, e em Recife, Pernambuco, no ano passado; e também em Belo Horizonte, onde os temporais vitimaram 60 pessoas em 2020. Mas, quanto ao caso do último final de semana, ele diz que ainda é precoce saber se há interferência das mudanças climáticas.

“De fato, ali (em Belo Horizonte), foi comprovado como ação humana”, disse. “Mas, nesse caso particular, da Serra de São Sebastião, podemos dizer sim que é um evento extremo, mas que está atribuído à mudança climática antrópica ainda é muito cedo”

“Se a gente comparar agora com a metade do século passado, já são 50% mais de eventos extremos dessa natureza. Mesmo que a gente não consiga frear o crescimento da temperatura do planeta, que está entre 1,2ºC, esses eventos se tornarão mais frequentes e poderão continuar atingindo mais recordes de intensidade nos próximos 30 anos”, diz Carlos Nobre, da USP.

Para o meteorologista Bruno Bainy, as mudanças climáticas também podem aumentar o impacto e a severidade das chuvas como as que atingiram o litoral paulista no sábado e domingo. É possível, segundo ele, que exista uma tendência de crescimento do número de dias secos por ano, mas também do aumento de eventos climáticos extremos caracterizados por precipitações intensas e volumosas.

“Infelizmente, sim (sobre a possibilidade no aumento da recorrência de chuvas fortes). E, na perspectiva das mudanças climáticas, essa situação tende a se agravar para os dois extremos, com secas mais severas, e chuvas mais intensas”.

Áreas de risco

Mas não é apenas a intensidade das chuvas que provoca as mortes. Os especialistas alertam que as vítimas dos temporais são, na maioria, aquelas que vivem em áreas de risco de deslizamentos e em situações socialmente vulneráveis.

Para o engenheiro agrônomo Xico Graziano, que atuou como secretário de Meio Ambiente do Estado de São Paulo entre 2007 e 2010, na então gestão do governador José Serra, as mortes no litoral paulista deste último final de semana poderiam ter sido evitadas. Ele afirma que na época em que comandou a pasta, há mais de 10 anos, pessoas vivendo em áreas de risco já eram conhecidas.

“Foi feito um levantamento mostrando que áreas da Serra do Sauípe, Juquehy, Baleia, já estavam caracterizadas como áreas perigosas, com risco de desabamento e que, também por motivos ambientais, as pessoas não poderiam permanecer lá. Elas deveriam ter sido removidas”, diz.

Para José Marengo, do Cemaden, mortes por chuvas extremas é um filme que “se repete todos os anos”. Para ele, as pessoas que moram em situações de risco, como encostas de morros e próximo de córregos, não têm culpa de viverem nessa situação. A responsabilidade, segundo o climatologista, é de quem as colocou nesses locais.

“Cabe ao poder público, por meio de políticas ambientais, e de urbanização, reduzir a vulnerabilidade da população. Não permitir construções em encostas ou perto de córregos, não remover a vegetação. Com isso, não teríamos que fazer gerenciamento de riscos, contando quantos mortos e quantas foram as perdas”, diz Marengo

Em passagem por São Sebastião nesta segunda, o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, afirmou que as cidades afetadas terão o auxílio do governo federal para a reconstrução de moradias de quem perdeu as casas nos temporais. O petista pediu que o prefeito da cidade localize um terreno “seguro” para que essas moradias possam ser erguidas. “Você vai ter certeza que a resolução de problemas para construção de casas para pessoas que perderam vai acontecer de verdade”, disse o presidente.

À reportagem, Carlos Nobre, do IEA da USP, sugere a restauração florestal nas áreas urbanas, principalmente em regiões de serras e com topografia acentuada, como um caminho para prevenir outras tragédias humanas. “Quando você tem uma floresta restaurada, você absorve uma grande quantidade de água. Mas, quando há uma pastagem no lugar da floresta degradada a água corre, cai e gera deslizamentos e inundação. Isso é uma prática barata e que o Brasil precisa expandir”, afirma Nobre.

 

Agência Estado

Mais notícias