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Ryan Air, a companhia low cost que não economiza humor e ironia; Por Pádua Sampaio

Aeronaves da Ryanair estacionados no aeroporto de Faro, em Portugal: Companhia assume que e o café nos voos é péssimo (todos são, aliás)”.

Tem uma historinha que contam sobre nós até interessante: diz-se que o publicitário saiu para jantar com uma moça-paquera-crush-ficante-conversante (como você quiser) e passou a noite falando sobre as campanhas que havia criado, os prêmios que havia ganhado, as palestras que havia dado. Lá para o final da noite, percebendo a mulher de mão no queixo, entediada, interrompe uma história e diz: “Bem, chega de falar sobre mim… Agora fale você um pouco… Sobre mim.”

Gostou, né? Pois bem, funciona para muitos de nós, mas fique atento: a sua marca e o seu consumidor podem estar num jantar como esse, em uma conversa unilateral. É comum ver estratégias de comunicação focando no processo de fabricação, no maquinário, nas certificações, no parque industrial, nos ISOs adquiridos – ou pra ficar mais descolado – no departamento de ESG recém-criado. Porém, às vezes tudo que o consumidor quer é um sabão capaz de tirar a mancha de molho espirrado na camisa branca novinha. E só.

Captar aquilo que as pessoas enxergam como valor é uma tarefa cotidiana e nada fácil. Ainda mais agora que o consumidor cobra, além da excelência nos produtos e serviços, um posicionamento sobre vários temas. Principalmente, a chamada Geração Z, os nativos digitais. Por outro lado, muitas marcas ainda insistem no empoeirado “qualidade e tradição”. Não tem rinite que aguente.

Quando pensamos no ambiente digital, cada vez mais difuso e congestionado, a complexidade aumenta. Sendo até repetitivo: em tempos de abundância e volatilidade da informação, a atenção tornou-se um ativo valiosíssimo. Não dá para desperdiçar os preciosos segundos que o seu consumidor concede falando que a marca X está na 4a geração da família Z. E por quê? Simplesmente porque não interessa.

Segundo uma pesquisa da Hibou – Monitoramento de Mercado e Consumo (agosto/23), 43% dos brasileiros seguem marcas só para acompanhar promoções, em uma relação meramente transacional. Apenas 20% se identificam com a comunicação da marca e 19% não seguem nenhuma marca; um número bem alto, diga-se de passagem.

Esses dados reforçam a necessidade de sofisticar o diálogo com o consumidor, investindo em conteúdos que provoquem ressonância e que demonstrem empatia. Ou quem sabe optar por não forçar a barra. Há vezes em que o melhor a ser feito é mostrar apenas de que forma a sua empresa pode melhorar a vida das pessoas.

A verdade é que não tem fórmula certa, cada caso é um caso. E é mesmo. Um exemplo de originalidade nas redes é a Ryanair (@ryanair), uma companhia aérea irlandesa de baixíssimo custo, focada em excelência operacional. Para se ter uma ideia, a empresa chega a oferecer passagens aéreas de voos internacionais por 10, 15 euros ida e volta. Isso mesmo, ida e volta.

Mas não espere conforto. O interior do avião é uma espécie de Siqueira-Papicu alado. Não espere sossego: em altitude de cruzeiro, o corredor se transforma em uma feira livre em que os comissários vendem de tudo. Também não espere compreensão: ultrapasse um grama no peso da bagagem permitida e ganhe uma taxa três vezes mais cara que as passagens. Faz parte do modelo de negócio.

O que a companhia faz nas redes sociais é – crianças, não tentem isso em casa – assumir com muito bom-humor e um certo ar de deboche todo esse universo que envolve a marca e o que a companhia é na sua essência. Totalmente na contramão de qualquer cartilha vendida pela turma do “arrasta pra cima”.

É preciso muita coragem e um departamento de marketing sem medo de perder o emprego para chamar de cafona o cliente que aplaude quando o piloto pousa o avião; ou para assumir que o café nos voos é péssimo (todos são, aliás); ou ainda tirar sarro do cliente que perdeu a viagem porque descobriu só no embarque que o passaporte expirou.

A marca sabe qual é a sua verdade e faz uso disso. É um risco? Decerto. Mas a companhia se aventura menos do que parece. A Ryan Air, no jantar imaginário com seus consumidores, dedicou-se a falar menos e ouvir mais. Escutou atentamente e decidiu retratar com humor a realidade do dia a dia. Logo, há uma forte identificação do público.

Dá certo porque as pessoas esperam da companhia ir do ponto A para o ponto B pagando o mínimo possível. Tentar vender um conforto que não existe, uma empatia com os passageiros relapsos e um refinamento impossível de ser constatado seria muito menos do que um monólogo: seria uma mentira incontornável.

Sinto desapontar, mas as pessoas não dormem e acordam pensando em marcas e produtos. Às vezes, tudo que elas esperam é trocar atenção – naqueles minutinhos preciosos da pausa nos estudos ou quando o bebê finalmente dorme – em momentos interessantes, de descontração ou de dopamina fácil. Um papo entre amigos, em que ninguém tenta vender nada para ninguém. É sobre isso. E tá tudo bem. Gratiluz.

Três perguntas para mexer com o seu juízo:
1) Sua empresa leva em consideração as necessidades e motivações do cliente na comunicação?
2) Qual o objetivo estratégico da sua comunicação nas redes sociais?
3) O público consegue reconhecer a verdade da sua marca nos pontos de contato (campanhas publicitárias, pdv, redes sociais) existentes?

Pádua Sampaio é publicitário, empresário, professor e colaborador do Focus.jor, no qual assina artigo às quintas-feiras.

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