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O que há por trás da guerra pelo dinheiro da Funcap

Por Fábio Campos
fabiocampos@focus.jor.br

A polêmica envolvendo os 2% da receita tributária do Ceará que hoje são controlados exclusivamente pela Fundação de Amparo à Pesquisa (Funcap) é uma cosequência da última disputa eleitoral para o Governo do Ceará.

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que mantém esse percentual na Ciência e Tecnologia, mas desobriga que o dinheiro vá todo para a Funcap, instituição responsável pela pesquisa em tecnologia, nasceu de incômodos governistas com a maneira como são definidos e geridos os projetos financiados por esses recursos.

No dizer de pelo menos duas fontes bem situadas na questão, os recursos da Funcap deram musculatura a setores que, no processo eleitoral, se organizaram em torno do ex-prefeito Roberto Cláudio.

Muito embora tenha surgido agora em função da disputa política entre eis aliados, a polêmica não é exatamente nova. Em outros momentos, o tema chegou a ser discutido, mas nunca uma PEC chegou a tramitar.

O percentual de 2% para a pesquisa científica previsto hoje na Constituição significa algo em torno de até R$ 290 milhões por ano. Portanto, um valor nada desprezível.

A Funcap e o crescente fluxo de recursos começaram a ganhar relevância quando o hoje vice-prefeito de Fortaleza, Élcio Batista, comandava a Casa Civil de Camilo Santana. A partir da pasta, um vigoroso programa do Governo começou a abrigar as pesquisas de interesse do Governo em diversos setores, como inovação, transformação digital e segurança pública.

Em tempo: Élcio chegou a fzer uma live para criticar a proposta de mudança.

Basicamente formada e controlada por professores a UFC, todos com respeitabilidade acadêmica (é o caso do presidente da instituição, Tarcísio Pequeno), a Funcap se tornou um enclave no setor da pesquisa científica no Ceará.

Problema: não há quem meça os resultados dos projetos financiados. Na opinião de gente do próprio Governo, virou uma caixa-preta, com baixa transparência. “Falta governança”, relata uma fonte.

O reitor da UFC, Candido Albuquerque, acha que o pior dos mundos é a saída do recursos da Funcap para usos baseados no discernimento político, como deixa antever o teor da PEC. “Corremos o risco de sair da produção científica própria para situações de compra de helicópetros, como já aconteceu”, diz o reitor.

Em 2013, o então governador Cid Gomes usou uma brecha no Programa de Modernização Tecnológica da Secretaria da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior para adquirir quatro aeronaves alemãs, sem licitação, por R$ 78 milhões (valores da época).

“É fato que não temos governança na Funcap. Não há metas metas. Acho o programa do Cientista Chefe maravilhoso. Porém, quais os resultados efetivos para o Ceará dos recursos investidos? Não se sabe ao certo”, disse Albuquerque.

O professor Tarcísio Pequeno, que comanda a Funcap, tmbém defende que a Fundação é a instituição adequada para controlar os recursos constitucionais: “O conceito ‘ações de C&T’, como previsto na PEC, é muito fluido e muito difícil de ter sua relevância para a ciência devidamente aquilatada. A Funcap é o órgão aparelhado para fazer precisamente isso”.

Quanto à crítica de que a Funcap é uma panelinha controlada por notórios da UFC, Tarcísio rebate: “Isso é bobagem e um tanto de má fé. Há muitos projetos nas demais universidades e muitas bolsas de permanência universitária, iniciação científica, mestrado, doutorado, pós-doutorado, e professores visitantes em todas as universidades do estado. Todos os reitores da universidades estaduais, por exemplo, se manifestaram contra a PEC”.

Quanta à falta de transparência, o dirigente da Funcap diz que “estamos publicando um livro sobre o programa Cientista Chefe, com todos os projetos e resultados que o compõem. Só cabe mesmo num livro”.

Esta formulação de Tarcísio Pequeno foi prontamente rebatida por fontes ouvidas pelo Focus: “Na era da tecnologia, com as nuvens, não é preciso gastar tempo e papel com isso. Basta publicar nos meios eletrônicos na medida em que os projetos se desenvolvem. Sem esquecer os valores investidos e os resultados efetivos alcançados”.

Ainda acerca da crítica à falta de transparência, Tarcísio Pequeno disse o seguinte em um grupo de WhatsApp do qual participa: “Um dos projetos se destinou a ajudar as pessoas a respirar, dele resultou o Elmo. Um outro permitiu dominar a tecnologia da criação da garoupa em cativeiro. Um outro, em ciência dos dados, investiga, e investigou na pandemia, a evolução da curva de transmissão. Cada um deles envolve tecnologias e ciência sofisticadas, cuja mínima exposição é necessária ao entendimento do trabalho realizado. Esses projetos produzem relatórios técnicos que são avaliados por comissões de especialistas. Divulgá-los, simplesmente, não seria muito útil para o esclarecimento da sociedade. Esse é o X do problema da comunicação no campo da ciência.”

Na justificativa da PEC, os autores apontam que a Constituição do Ceará, “ao fazer referência à dotação mínima como ‘renda de sua administração privada’, gera margem de dúvida para a utilização da dotação em iniciativas que impactem diretamente no cumprimento da missão institucional da Funcap, visto que a dotação em questão somente poderia ser utilizada para a “administração privada” da fundação”.

VESPEIRO
A simples apresentação da PEC na Assembleia, ocorrida agora no mês de dezembro, fez com que a intelligentsia envolvida com a área de Ciência e Tecnologia, principalmente no âmbito da UFC, arregimentase forças Ceará afora e entrasse em pé de guerra para impedir a mudança.

A preocupação de benficiados pelos recursos não é à toa. Projetos apresentados em dezembro costumam entrar em tramitação de urgência e são aprovados no toque do tambor, empurrados goela a baixo da sociedade e sem nenhum debate.

No caso em questão no momento, foi como mexer em um vespeiro. O setor é muito influente. O dinheiro envolvido não é nada desprezível. Porém, a PEC acabou por cumprir um papel importante: trazer à tona um fato que estava na penumbra e gerar o debate público.

No dizer de outro interlocutor ouvido pelo Focus, “o debate sobre a PEC vai mostrar que é preciso ter mais eficiência na aplicação destes recursos”.

Do reitor da UFC: “Sim! O debate é necessário e sempre recomendável, mas mantendo a fonte de financiamento! Vamos melhorar o modelo! Fomento, edital, pesquisa etc, são temas que precisam de permanente aprimoramento!”

OS AUTORES DA PEC
De fato, não foi a governadora Izolda Cela quem apresentou a mensagem com a PEC. Porém, ela foi inspirada no centro decisivo das hostes governistas. Mais precisamente, tem a digital do presidente da Assembleia, Evandro Leitão, que é sim um dos membros do núcleo duro que se formou em torno da governadora, do senador Camilo e do governador eleito, Elmano de Freitas.

Embora ainda deputado estadual, Elmano de Freitas preferiu manter alguma distância da polêmica e não colocou sua assinatura na PEC.

Eis aqui a lista de alguns nomes que assinaram a proposta que, sim, já tramita na Assembleia: Evandro Leitão, Acrísio Sena, Augusta Brito (suplente de Camilo), Fernando Santana, Antônio Granja, Nizo Costa, Júlio Cesar Filho e Osmar Baquit.

Em breve, mais informações.

Veja aqui a proposta completa
PEC da Funcap

ATUALIZAÇÃO (10 Hrs de terça-feira)
O senador Cid Gomes (PDT) contesta a menção como colocada no texto acima relacionada à compra dos quatro helicópteros. “Não procede. O reitor está misturando alhos com bugalhos. Os equipamentos não foram comprados com recursos do tesouro e nem da Secretaria de Ciência e Tecnologia, mas sim com fundos de um banco alemão”, relata.

No caso, o senador lembra que a Secitece foi apenas a intermediária do processo. “Foi um contrato com o MLW, uma instituição de fomento mantida pelo Governo alemão com o objetivo de gerar exportação de produtos industrializados da Alemanha”.

“O fato é que havia a necessidade de novas aeronaves para o Estado e o Governo buscou a melhor forma de viabilizar. Não saiu um tostão da área de ciência e tecnologia do Ceará”, diz Cid Gomes.

“Nos últimos anos, o governo alemão tem atendido às solicitações do governo brasileiro no sentido de abrir linhas de financiamento aos governos estaduais, para a importação de equipamentos técnicos fabricados pelo parque industrial da Alemanha”, diz Nobert Schimidt, presidente da MLW Intermed em recente texto publicado no Brasil

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