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O PT de Camilo Santana e a candidatura de Luizianne Lins; Por Ricardo Alcântara

 Desde o dia em que uma legião de escravos mal armados derrotou, sob a liderança de Dessaline, o exército de Napoleão Bonaparte e proclamou a independência do Haiti, a história da República na América latina até os dias de hoje não produziu dois partidos políticos orgânicos – com instâncias abertas ao protagonismo efetivo de organizações da sociedade civil, bem como mecanismos internos de decisão democráticos de fato. Houve um só: o Partido dos Trabalhadores, no Brasil.

Quem queira analisar corretamente como as coisas se decidem por lá deve observar suas singularidades, ainda que catorze anos contínuos no exercício do poder tenham diluído muito a autonomia do partido em relação às concessões inevitáveis de quem se expõe ao exercício pragmático da política institucional – essa máquina de triturar idealismos de toda ordem. Como Jonas, que foi engolido por uma baleia e continuou vivo, o petismo foi engolido pelo lulismo, mas não morreu.

Desculpe a longa introdução: é apenas uma tentativa de situar de forma mais ampla uma reflexão sobre questão local e específica: os movimentos da ex-prefeita Luizianne Lins em busca de obter (pela quinta vez!) a indicação de seu partido, a ser decidida no diretório municipal, como candidata à mesma prefeitura de Fortaleza que já ocupou por dois mandatos consecutivos há onze anos, de 2005 a 2012 – e gostou, ao que parece.

Não é novidade alguma que seu nome não é preferencial para nenhuma entre as maiores lideranças atuais do partido – nem mesmo do seu antigo liderado Elmano de Freitas, o atual governador – e aqui não me refiro a predileções íntimas, mas a escolhas decorrentes de avaliações objetivas e impessoais que ponderam entre dois fatores: de um lado, as possibilidades de competitividade eleitoral e, de outro, a adequação ou não dela ao perfil hegemônico atual do comando do PT e, mais amplamente, do conjunto de forças heterogêneas que apoiam o governo de seu partido no Ceará.

Simples assim. Nada a ver com afinidades estéticas, inclinações afetivas, predisposições misóginas ou outros subjetivismos que acometem o debate atual na esquerda ocidental como uma doença infantil. Não. Ela não é candidata preferencial por seu posicionamento mais ideológico – de absoluta legitimidade, mas distante do consenso médio – e, também, porque os aspectos eleitorais de sua postulação projetam incertezas (dada a rejeição a seu nome em segmentos sociais expressivos) sobre suas chances reais de amalgamar uma maioria simples (50% mais um dos votos válidos) numa disputa binária de segundo turno.

Em 2004, quando um concerto nacional do governo Lula recomendava apoio ao nome indicado pelo PCdoB, Inácio Arruda, como candidato à prefeitura, todos lembram: Luizianne foi para a disputa interna, venceu com o regulamento debaixo do braço e se elegeu de forma espetacular contra tudo e quase todos.

Hoje – e suponho que tal evidência não escapa à leitura que faz a deputada – seria uma empreitada mais incerta porque não enfrentaria apenas uma imposição da direção nacional (autoritária, antipática), mas sim uma ampla convergência de lideranças locais onde se encontram o governador do estado recém eleito no primeiro turno, um ministro da república, um líder da bancada federal, um presidente do legislativo estadual, uma forte aliança pluripartidária, um dócil desejo da imprensa em agradar tanto poder e, de quebra, as diretorias do Ceará e do Fortaleza – fatores com os quais seus adversários internos de 2004 não contavam.

Certamente, ela compreende a diferença e faz o mesmo cálculo. Mas, presa a uma narrativa de combatividade em defesa das tradições democráticas do seu partido, poderá ser compelida a pelo menos simular um enfrentamento para, ao fim, extrair desse quadro contencioso importantes espaços que garantam a ela e seus liderados internos oportunidades novas de fortalecimento e afirmação. Sim, porque sair do processo de definição menor do que hoje é, ela não deveria, nem irá aceitar.

Vou concluir por aqui com a recomendação que faria aos políticos da esquerda no Ceará: guardem o trator, tratem bem a Luizianne. Ela merece e vocês precisam manter a unidade necessária a 2026. É isso.

Ricardo Alcântara é publicitário, escritor e colaborador do Focus.

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