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O nada “estranho” Estado Democrático de Direito. Por Frederico Cortez

Frederico Cortez é advogado, sócio fundador do escritório Cortez & Gonçalves Advogados Associados. Especialista em direito civil, direito empresarial e direito digital. Autor de diversos artigos de opinião jurídica, sendo referência bibliográfica em obras acadêmicas e livros jurídicos.

Por Frederico Cortez

A política por sua natureza em si deve ser dinâmica, pela própria sobrevivência. Nessa missão, o parlamento mostra sua importância para o rico e necessário debate acerca de explicação, compreensão e manutenção do Estado Democrático de Direito. Os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário atuam de forma interdependente, mas de forma autônoma dentro da sua competência exclusiva delimitada pela Carta Magna brasileira de 1988.

Na semana passada, a indicação da jurista Kamile Castro tornou-se o ponto agudo de conclusões do deputado estadual Carmelo Neto (PL) por sua indicação para a vaga de conselheira no Conselho Diretor da Agência Reguladora dos Serviços Públicos do Estado (Arce). Aqui, Carmelo avalia que a indicação do nome de Kamile pelo governador do PT era “no mínimo estranho”, por ter sido o voto divergente que condenou quatro deputados estaduais do partido do ex-presidente da República Jair Bolsonaro.

O fato do excelentíssimo parlamentar ter “estranhado” a indicação da ex-juíza do TRE-CE (mandato findo em janeiro de 2024, após 8 anos) advém do seu voto divergente em julgamento colegiado de quatro ações que culminaram na cassação de deputados do PL, por fraude à cota de gênero. Estas mesmas ações ainda tramitam em grau de recurso junto à instância superior da Justiça Eleitoral.

Não é segrego, tampouco mistério, que uma sentença judicial prolatada pelo Tribunal Regional Eleitoral do Ceará (TRE-CE) pode ser reformada ou até mesmo confirmada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Essa regrinha básica faz parte do Estado Democrático de Direito.

De bom grado lembrarmos, que a jurista e professora universitária foi a primeira mulher desde 1932 a ocupar o cargo (oriundo da vaga de jurista) de juíza titular eleitoral na história do TRE do Ceará. Essa mesma indicação de Kamile Castro foi chancelada duas vezes pelo então ex-presidente Jair Bolsonaro, líder político do próprio deputado estadual Carmelo Neto.

Assim como dito no início, o dinamismo político nunca deve ser estranhado e nem compreendido por todos, porém deve ser assimilado por aqueles que são peças neste mesmo xadrez da democracia brasileira.

Voltando ao caso do julgamento dos deputados estaduais do Ceará que são partes em ação eleitoral, o voto da então juíza eleitoral à época Kamile Castro não foi o único a favor da aplicação da punição da perda do mandato, sendo acompanhada pelo voto dos magistrados Raimundo Deusdeth, Roberto Bulcão e Érico Carvalho. Desta feita, o nome de Kamile Castro solitariamente assume o resultado da eleição do TRE Ceará segundo fala do deputado bolsonarista, como se personificasse a Justiça Eleitoral alencarinas em si, o que não a é. Repisemos!

Ah, imperioso destacar que até mesmo o Ministério Público eleitoral cearense opinou pela perda dos mandatos dos ditos parlamentares, pela infração à lei eleitoral.

A indicação e aprovação do nome de Kamile Castro para compor a Arce está dentro das regras do xadrez da Constituição Federal e Constituição Estadual cearense, em nada maculando os princípios da legalidade, imparcialidade, publicidade e eficiência, postulados axiológicos esses que norteiam a administração pública direta e indireta.

No entanto, a jurista Kamile Castro está na vitrine novamente por sua indicação pelo então governador petista Elmano de Freitas, que também teve decisões em seu desfavor pela ex-juíza do TRE-CE. No cenário formatado pela lente dos atores principais e simples coadjuvantes do mundo político, exsurge a janela do de “julgar” uma indicação que passou pelo crivo da Assembleia Estadual do Ceará com expressivos 29 votos favoráveis do total de 32 presentes.

Lembremos todos que, num estado republicano e democrático vale o que está escrito na Constituição Federal, derivando a obediência legal para as constituições estaduais.

A nova conselheira do Conselho Diretor da Arce é uma expoente do mundo jurídico cearense, advogada destacada, ex-juíza eleitora, professora universitária e com representação em observatório internacional nas eleições da Colômbia (2019) e no Peru (2020), tendo exercido com louvor por oito anos a magistratura eleitoral na Corte eleitoral alencarina.

Se a “estranha” legislação brasileira atual assim se apresenta pontualmente e ao melhor vento de quem deseja esse ar fresco, que provoquemos o Congresso Nacional para que se amolde ao senso comum de “justiça”. Até lá, vale o que está escrito e sigamos com as certas e esperadas conclusões.

Ubi societas, ibi jus…

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