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O medo é contagioso. Por Valmir Pontes Filho

Jurista Valmir Pontes Filho.

Por Valmir Pontes Filho

Não bastassem as preocupações diárias que temos com nossa saúde física, com a educação e destino profissional de filha(o)s e netas(o)s, com a violência indiscriminada que a todos atinge, com a ação predatória de grupos criminosos de toda ordem, com a sobrevivência financeira (tão fácil para poucos e angustiante para muitos), agora temos que cuidar, com acuidade, da nossa saúde mental.

Digo isto por conta da sensação de MEDO que nos assola, como cidadãos, por conta da INSEGURANÇA JURÍDICA em que vivemos. Não só quanto ao direito à propriedade privada, cuja invasão é previamente anunciada e absurdamente tolerada (por enquanto, as rurais, mas as urbanas não estão a salvo disto). Mas, notadamente, quanto ao DIREITO À LIBERDADE!

A Constituição da República – que parece prestes a “morrer” aos meros 35 anos de idade – estabelece, em seu art. 5º, ser livre a manifestação de pensamento, sendo vedado o anonimato (inciso IV); também assegura ela ser inviolável a liberdade de consciência e de crença (inciso VI).

Também prescreve ela, em textual, que ninguém será privado dos seus direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta (inciso VIII), assim como que é livre a expressão de atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença (inciso IX).

Apesar disto, inacreditavelmente a Sra. Ministra Carmem Lúcia, ao proferir um voto (no TSE, creio), já havia dito que a censura era constitucionalmente proibida, mas que, no período eleitoral, ia “abrir uma exceção”. Como assim? Dela, também, a nova assertiva de que a “liberdade não é um direito, mas uma emoção””! Só se for uma sensação ruim, negativa, de pânico, pois exercê-la – inclusive a liberdade de simplesmente pensar e externar esse pensamento – passou a ser algo temerário.

O abjeto Projeto de Lei (PL) n. 2630 visa, claramente, a instituir a censura, mas já falei disto. E sobrevém a ameaça de “normatização” da matéria pelo Judiciário, pouco importando o que se vê no inciso II, ao art. 5º, da Carta Magna: “ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude DE LEI”. (*)

Não estou a “defender” que as agressões (físicas ou morais) sejam toleradas. Mas aos agredidos sempre resta recorrer às leis penais já em vigor.

Por falar no Judiciário, o STF tornou e sem efeito o ato de ex-Presidente da República que concedeu perdão (graça) a um Deputado (condenado a uma pena tão longa que há de ser cumprida, inicialmente, em regime fechado). A concessão de indulto (genérico) ou de GRAÇA (pessoal, individualizado) é da competência PRIVATIVA do Chefe do Executivo, descabendo falar-se em sua revisão judicial. Pífio o argumento de que o ato não foi “impessoal”… não o foi porque não poderia sê-lo, óbvio! Trata-se de ato personalíssimo, político e discricionário!

O Ministro Alexandre de Morais, em relação ao indulto/graça, chegou a afirmar, num julgamento: “Podemos gostar ou não gostar. Assim como vários parlamentares também não gostam muito quando o Supremo declara inconstitucionalidade de emendas, de leis ou atos normativos. Isto é função constitucional prevista ao Supremo… o ato de clemência constitucional não desrespeita a separação dos Poderes. Não é uma ilícita ingerência do Executivo, com devido respeito às posições do contrário”.

Mudou de ideia S. Excelência, assim tão radicalmente, para tornar o Deputado um “desgraçado” (termo do brilhante advogado e comentarista Tiago Pavinatto), um “sem graça”?

Aliás, o STF julga tudo, tenha ou não o acusado prerrogativa de foro… isto a contrariar a Constituição, segundo a qual, pelo princípio do juiz natural, não haverá juízo ou tribunal de exceção (art. 5º, inciso XXXVII). E por quais crimes (de pensamento ou de opinião?), valendo lembrar que “não há crime sem LEI anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal (CF, art. 5º, inciso XXXIX).

Esse mesmo eminente Magistrado, no bojo de Inquérito (sem fim) que preside, determinou (monocrática e liminarmente) que determinada plataforma digital retirasse a postagem de um editorial seu (dado um suposto conteúdo “antidemocrático”), bem como que publicasse outro, redigido pelo próprio Ministro, a desdizer o que havia dito. Será ela, a “big tech”, forçada a exprimir um pensamento que não tem? Por meio de que alquimia jurídica isto é possível?

Estamos a trilhar caminho tortuoso. Do Dr. Valmir Pontes, meu pai – que retornou ao Plano Espiritual em 1981 – recebi a recente admoestação:

“Não existe aqui a hermenêutica da esperteza; ou o maquiavelismo da ardilosidade, daí importar, portanto, ser honesto na intenção e honesto na ação, pois os fins nem sempre justificarão os meios…

A Lei Humana, os códigos múltiplos, as pandectas ou jurisprudências variadas não serão salvaguarda alguma, quando a intencionalidade se viu movida pelo desvio de preferências, no que pese as competências da casuística.

Ouvindo Jader de Carvalho, percebi o quanto os antigos orgulhosos jurisconsultos e juízes, desembargadores renomados, atravessaram o rio da morte falidos e réus em processos invisíveis”.

Apenas isto, hoje, me conforta, pois ando com um temor doentio de sofrer represálias que, a esta altura, não teria como suportar. Não estou, juro, a ofender ninguém, nem represento um “perigo” para quem discorda de mim (muito menos para o regime democrático). Mas me faz imenso mal quedar-me silente diante disto tudo… o medo, porém, que parece ser uma doença endêmica e incurável, me contaminou.

(*) Lamentável que uma instituição de glorioso passado, como a OAB, hoje apoie formalmente a “Lei da Mordaça” e uma “comissão da verdade” para definir o que é ou não mentira.

* Jurista Valmir Pontes Filho vai palestrar hoje, 31,  às 19:30, no lançamento do livro “Constitucionalismo equilibrado: a armadura da liberdade contra a juristocracia” de autoria do jurista e professor acadêmico Glauco Barreira Magalhães Filho. O evento será presencial na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará (UFC).

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