Pesquisar
Pesquisar
Close this search box.

O Direito do Trabalho na Era Digital: Motoristas de APP devem ter direitos trabalhistas? Por Vivania Sampaio

 

 

 

 


A Era Digital trouxe consigo
uma revolução sem precedentes. Há quem fale em “quarta revolução industrial”. Surgem novas formas de trabalho não regulamentadas. Um dos temas mais discutidos atualmente pelo legislativo, executivo e judiciário é a regulamentação dos profissionais “plataformizados”, sendo inevitável, causará grande impacto na estrutura social.

As profissões intermediadas por aplicativos digitais são exemplos claros de mão de obra carente de proteção aos direitos dos trabalhadores. O artigo 7º, inciso XXVII da Constituição Federal, preceitua o direito da classe trabalhadora à proteção em face da automação. O Projeto de Lei 12/2024, caso aprovado, seria uma tentativa de garantir um mínimo existencial a esses novos “empregos digitais”, a exemplo dos motoristas gerenciados pelo aplicativo da empresa UBER.

A Lei Complementar 12/2024 visa regular a relação de trabalho entre o motorista de aplicativo e o intermediador de empresas operadoras das plataformas, a exemplo da UBER. O referido projeto propõe novas regras previdenciárias e trabalhistas para os motoristas de aplicativos de quatro rodas está em andamento no Congresso Nacional brasileiro e poderá causar fortes impactos sociais positivos e negativos a esses profissionais.

Os artigos 10 e 11 do PLP 12/2024, por exemplo, falam das regras previdenciárias da profissão de “motorista de aplicativo de veículo de quatro rodas” intermediado pelas citadas empresas. Os dispositivos versam sobre fixação do salário de contribuição e alíquota que deve ser descontada do profissional, como também a previsão da complementação da empresa operadora do serviço, que é de 20% do salário de contribuição. O salário de contribuição é 25% da renda bruta mensal do motorista, segundo o projeto.

O art. 10 enquadra o motorista na categoria de “contribuinte individual” da previdência social, mas sem nenhuma semelhança com nenhuma outra espécie de contribuinte já existente no ordenamento jurídico.

O art. 3º do projeto define o motorista de aplicativo como autônomo, ou seja, sem vínculo trabalhista (sem carteira assinada). Porém, ao mesmo tempo, o motorista de app seria um contribuinte individual, ou seja, o 1º recolhimento filia esse trabalhador ao Regime Geral da Previdência Social. Em termos previdenciários, o trabalhador teria os mesmos direitos do empregado de carteira assinada, mas sem assiná-la.

O problema é que no projeto a alíquota de contribuição é de 7,5% do salário de contribuição do motorista (7,5% de 25% da renda bruta mensal). Essa situação é desfavorável ao trabalhador se comparado ao valor recolhido por este enquanto MEI (5% sobre o salário-mínimo). A opção de contribuição como MEI surgiu para o motorista por aplicativo pelo Decreto 9.792/2019.

Dados do IBGE de 2023 apontam o rendimento médio dos motoristas em plataformas digitais de R$ 2.454,00 mensais, calculado em jornada média de 47,9 horas semanais.

O projeto de lei fixa como 12 horas a carga horária máxima diária por empresa do aplicativo para esse profissional, como já ocorre hoje em dia. Contudo, caso o motorista atuasse pelas 12 horas diárias, somando-se aos dados do IBGE supra, seria alcançada renda bruta máxima de R$ 4.300,00. Isso partindo do pressuposto que as 12 horas diárias logadas pelo motorista de aplicativo seriam 100% com corridas aceitas.

Analisando numericamente os valores, a conclusão é que o motorista recolheria um valor bem maior do que recolhe como MEI, trabalhando mais horas e sem qualquer vantagem compensatória, pois se aposentaria com o mesmo valor de um salário-mínimo, sendo MEI ou pelas regras da nova PLP. Será que o objetivo da regulação da profissão estaria sendo cumprido com a aprovação do PLP 12/2024?

Conclui-se que as garantias constitucionais de melhores condições de trabalho e proteção social não foram contempladas no PLP 12/2024, o que torna o projeto inadequado para o objetivo almejado. Acrescenta-se que diversos outros projetos surgiram no congresso com o mesmo tema, mas ainda mais distante de melhorar a vida do trabalhador. O motorista por aplicativo não deve desanimar, como também não deve aceitar algo “menos pior”, mas sim continuar lutando por seus direitos trabalhistas sem que o risco econômico seja transferido para suas mãos ou que tenha que ser escravizado para conseguir sustentar sua família. Esse trabalhador deixa de ter vida para dar vida a sua família, mas se pelo menos esse objetivo fosse satisfatoriamente atingido talvez compensaria. Contudo, sem direitos trabalhistas não se tem vida, não se constrói um patrimônio para herança e ainda por cima morre cedo deixando a família desamparada. Tudo isso é um desrespeito ao que prescreve a Constituição.

Este é o tema do livro digital “Motoristas Plataformizados: O PLP e os Desafios do Direito do Trabalho”, lançado pelo Grupo de Estudos e Pesquisa em Direito do Trabalho da Universidade Federal do Ceará (GRUPE), publicado pela EXCOLA.

Nesta sexta-feira (24), das 8h30 às 17h, a Escola Superior de Advocacia do Ceará (ESA-CE) é palco de um evento que irá abordar a forma como entendemos o direito do trabalho na era digital. Sob o título “O Direito do Trabalho na Era Digital”, o encontro debate o paradoxo entre as vantagens e retrocessos trazidos pelo avanço tecnológico, como o exemplo dos profissionais gerenciados por aplicativos digitais.

 

Vivania Sampaio é uma Advogada cearense, especialista em Direito do Trabalho e Previdenciário.
É Membra das Comissões de Direito do Trabalho e Previdenciário da OAB/CE e da Comissão de Jurisprudência do GRUPO DE ESTUDO EM DIREITO DO TRABALHO E PROCESSO TRABALHISTA, da Universidade Federal do Ceará.

Mais notícias