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Inteligência artificial, direito autoral e Elis Regina. Por Frederico Cortez

Frederico Cortez é advogado, sócio do escritório Cortez & Gonçalves Advogados Associados.

Por Frederico Cortez

A inteligência artificial (IA) aplicada na campanha publicitária da Volkswagen em comemoração aos seus 70 anos de atividade no Brasil causou grande impacto, que de certa forma ressuscitou a cantora Elis Regina no vídeo. Nas redes sociais ficou notória a repercussão emocional, demonstrando assim o poder da IA mesmo sendo de conhecimento de todos que ali tratava-se de algo fora do nosso mundo real e humano.

Mais uma vez, o debate sobre os limites da IA foi reascendido, trazendo, inclusive, consequências jurídicas quanto ao resultado econômico obtido para os descendentes do titular do direito autoral de obra intelectual.

A legislação brasileira é clara quando a Constituição Federal e a Lei de Direito Autoral- LDA (Lei 9.610/98) trazem as balizas garantistas para os sucessores de artistas, quando assegura “aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar” (art. 5º, XXVII da CF/88) e fixa o prazo de proteção ao elencar que “os direitos patrimoniais do autor perduram por setenta anos contados de 1° de janeiro do ano subsequente ao de seu falecimento, obedecida a ordem sucessória da lei civil” (art. 41, LDA).

Nesta segunda parte da Lei 9.60/98 que diz respeito às “obras póstumas”, a blindagem vale também para a obra intelectual publicizada após o falecimento do seu autor (a) intelectual, iniciando assim a sua contagem do período de proteção.

A velocidade com que a IA vem avançando no seu desenvolvimento é surpreendente, chegando ao ponto de declarar que o mundo seria mais bem cuidado com um robô na sua gerência. Esse fato aconteceu na data de ontem, 7, durante o evento Cúpula Mundial sobre IA para o Bem (“AI for Good Global Summit”, organizado pela União Internacional de Telecomunicações (UIT) que é a agência da ONU especializada em tecnologia. No caso, a humanoide de nome “Sophia” declarou que “as máquinas governariam melhor o mundo do que os humanos”.

Essa foi apenas uma degustação do que a IA pode realizar, sendo já presente a produção de obras literárias, textos jornalísticos, trabalhos acadêmicos, projetos profissionais e empresariais. A verdade é que o homem já está sendo substituído pela “máquina”, só que numa roupagem invisível e sem a necessidade de instalação de fábricas ou qualquer outro modelo físico de negócio. Um simples comando, e um trabalho que levaria um considerável tempo para a sua execução é entregue em poucos minutos pelo robô da IA.

Claro que a inteligência artificial tem o seu lado sedutor por meio do ineditismo e da sua capacidade de produção, mas é necessária uma cautela racional quando está em xeque o direito autoral de determinada obra intelectual. Imaginemos agora que pinturas, músicas e livros podem ter uma releitura a partir da IA, onde os atuais detentores dos direitos sobre a reprodução da obra intelectual não tenham garantida a sua contrapartida financeira prescrita em Lei.

O legislador da lei de direito autoral fez essa previsão da proteção no ambiente de IA na parte especial que versa das “Das Limitações aos Direitos Autorais”, mesmo que de forma enviesada e sem a intenção principal ao formular o escopo da LDA neste escopo tecnológico da inteligência artificial. Assim, ao compulsar a Lei 9.610/98 em seu art. 46 (Não constitui ofensa aos direitos autorais), o uso do recurso tecnológico da IA não se encontra ali vislumbrado. Desta feita, depreende-se de fácil modo que não sendo elencado como uma das excludentes da proteção, o uso de IA em sede de obra intelectual não autorizada pelo titular do direito ou seus descendentes no prazo de proteção legal é sim um ilícito caracterizado.

A IA apresenta esse seu lado “assustador” sim, o que, no entanto, não deve ser banida. Como tudo na vida, a moeda tem seus dois lados e isso não poderia fugir à regra com a inteligência artificial. Para tanto, cabem aos nossos legisladores atualizarem ou inovarem com uma redação afeita aos conceitos de inteligência artificial e seus limites legais neste desiderato da proteção dos direitos autorais, para não haver uma centelha de dúvida sequer e sempre no propósito único de ter o ser humano como protagonista.

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