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Dos costumes. Por Angela Barros Leal


Concluí a leitura de um livrinho de poucas páginas, escrito pelo italiano Giovanni della Casa, tratando dos costumes recomendados (ou condenados) para a vida em sociedade. Nele, o autor apresenta conselhos a seu público – masculino, em especial –, quanto ao modo de falar, de comer, beber, vestir-se, caminhar, gesticular, enfim, de como agir com elegância no convívio comunitário.

Minha curiosidade pelo livro nasceu de lembrança antiga, mergulhada no nevoeiro real de muitas tardes em Antuérpia, ao tempo que meu filho de 14 anos se exercitava no futebol. Era Inverno, e os limites do campo se esfumavam antes de alcançar os pinheiros e ciprestes de grande porte que emolduravam o espaço. Naquela paisagem cinza e desoladora, antes do início de cada partida os treinadores cumprimentavam os jovens jogadores com um firme aperto de mão. E eu revejo, como em fotografia, os paletós e sobretudos escuros dos treinadores adejando ao vento frio, e o orgulho no rosto dos rapazes enfileirados. 

O vigoroso handshake era uma regra básica de educação, capaz de elevar os jovens ao patamar dos adultos. Não se usava o high five, muito menos o soquinho, ou outras formas criativas com que mestres e alunos simplificaram hoje os cumprimentos, igualando-se na informalidade. Enfim, veio daí minha curiosidade sobre a obra de Della Casa.

A linguagem é direta, e os exemplos focam situações reais. O autor não assume postura impositiva, mas aconselhadora. Na visão dele, é importante para o homem ser “educado, agradável e de boas maneiras ao tratar com toda gente”. Qualquer ato que aborreça algum dos sentidos – como causar estrondo ao tossir ou espirrar, bocejar durante conversas, mastigar ruidosamente ou não erguer o rosto do prato – “desagrada, e não deve ser feito”. 

Meticuloso, Della Casa recomenda que, à mesa, o homem elegante “não lambuze os dedos”, “não emporcalhe o guardanapo”, e não se aproxime demais dos vizinhos ao conversar, a ponto de respirar no rosto deles. E nada de cantarolar, tamborilar na mesa com os dedos ou balançar as pernas: “agindo assim, mostra que não se importa com os demais”.

Em termos de vestuário, todos devem andar bem vestidos, de acordo com a condição e com a idade, tendo a roupa “ajustada e bem adaptada à pessoa”. Quem assim não o faz, dá sinal de uma das duas coisas: “Ou não tem nenhuma preocupação em agradar os outros, ou não conhece o que seja graça, ou medida alguma”.

O homem elegante não deve perder tempo no debate de questões miúdas, de pouca monta. O que de fato importa merece ser pesado “com a balança do moleiro, e não com a balança do ourives”, e incomodar-se com tudo é descabido. Na visão dele, conviver com pessoas sensíveis em demasiado é como “embaraçar-se em finíssimos cristais”, que temem qualquer toque. Tal comportamento, diz o autor, “deve ser deixado às mulheres”.

Em ambiente social convém não tratar de assuntos obscenos ou melancólicos, que envergonhem ou entristeçam a companhia, muito menos ocupar a conversa com narrações sobre membros da família, por mais brilhantes que sejam. 

Não deve o homem gabar-se “de sua nobreza, honra ou riqueza, e muito menos dos seus feitos ou proezas”. Ao fazer isso, parece querer disputar qualidades com os que o escutam, que por certo se consideram igualmente nobres, honrosos e abastados. Se o homem sofisticado deve evitar a adulação, a bajulação servil, também não há vantagem alguma em viver a falar mal dos outros, nem do que aos outros pertence: “Todos fogem do boi que dá chifradas”, adverte Della Casa.

Nada de dar conselhos não solicitados, nada de debochar de amigos ou inimigos. Piadas ou provocações devem ser ditas “da forma como as ovelhas mordem, e não como morde o cão”. Não cabe ao homem refinado “erguer a voz à maneira do pregoeiro, nem falar tão baixo que quem estiver escutando não o ouça”. Não deve “falar tão lento como um apático, nem tão vorazmente quanto um esfomeado”.

Se um companheiro inicia história já conhecida, “não fica bem atrapalhá-lo, nem dizer que já a conheces”, muito menos balançar a cabeça ou revirar os olhos diante de uma mentira, ou ainda “interromper as palavras na boca alheia”. Caso alguém seja lento ao falar, nada de apressar ou emprestar palavras: “É costume agradável saber falar, e saber ficar quieto, no momento devido”.

Ao final, o autor de Galateo ou Dos Costumes, livro publicado em 1558, reconhece: “Não temos poder de mudar os costumes a nosso juízo. O tempo os cria, e também os consome”. Verdade, Signore Della Casa, nascido em 1503. Mas vamos ser justos: algumas coisas jamais envelhecem! 

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