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A “justiça” do STF no amordaçamento da imprensa. Por Frederico Cortez

Frederico Cortez é advogado, sócio fundador do escritório Cortez & Gonçalves Advogados Associados. Especialista em direito empresarial e direito digital. Autor de diversos artigos, sendo referência bibliográfica em obras acadêmicas e livros jurídicos

Por Frederico Cortez

O ministro Luís Roberto Barroso antes de iniciar os trabalhos presenciais no plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) na última quinta-feira,30, declarou que a Corte constitucional brasileira é um dos “principais guardiões” da imprensa. Todavia, esta não foi a posição adotada pela mesma “guardiã da imprensa” ao decidir um dia antes que cabe a responsabilidade civil do veículo de comunicação por declarações ou opiniões dos seus entrevistados, conforme a tese firmada.

A manifestação do presidente do STF veio um dia depois dessa indesejável e incabível decisão do Supremo, onde fixou uma tese recheada de antagonismo e de conclusões confusas, como segue: “admitindo a possibilidade posterior de análise e responsabilização, inclusive com remoção de conteúdo” e “o veículo deixou de observar o dever de cuidado na verificação da veracidade dos fatos e na divulgação da existência de tais indícios”. O resultado disso será um só, uma verdadeira enxurrada de ações judiciais indenizatórias contra jornais e revistas que circulam no País.

A Constituição Federal de 1988 é muito clara quando “impõe” a liberdade da imprensa de uma forma republicana e democrática, justamente para exercer uma de suas funções de freios e contrapesos contra atitudes despóticas de quem quer que seja. Muito embora, tem-se noticiado que regulamentos internos de Cortes judiciais estão acima da Carta Magna brasileira, o que o STF concluiu acerca de responsabilização civil dos meios de comunicação é na verdade um verdadeiro esquartejamento. Tudo isso de forma contrária daquilo proposto pelo legislador constituinte originário, quando da promulgação da Constituição cidadã em 1988.

Avalio que, a necessidade de um “guardião” é quando se tem uma ameaça iminente, e que desde a redemocratização do Brasil talvez essa própria decisão do STF seja o ataque mais duro sobre a imprensa até então. A Constituição Federal de 1988 é tão defensora em sua autonomia que avalio a desnecessidade de ser ter um “guardião” próprio, pois o sue texto é muito claro, inconteste e, acima de tudo, inelutável em se tratando da liberdade da imprensa.

Para tanto, basta observar que a CF/88 assegura o sigilo da fonte jornalística quando entabula “é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional”, vide art. 5, XIV da CF/88. Vejam bem que, a liberdade da imprensa é tão importante para a longevidade e vitalidade da democracia, pois resguarda isso em texto puramente constitucional.

Ao que parece, quando os ministros do STF se depararam com um caso específico a ser julgado, nivelaram o tema de fundo de forma rasteira, derivando o resultado de forma contra “todos” (leia-se: imprensa nacional). É um direito constitucional do bom jornalismo ter a sua liberdade profissional, e para os que praticam o jornalismo não profissional com viés negativo, já temos leis suficientes para o seu banimento. Agora, incabível é inverter as medidas sancionatórias como caminho “mais prático”.

Destaque-se que ao Supremo Tribunal Federal não é lhe conferido o condão da verdade absoluta, uma vez que sua função precípua é obedecer ao que determina a legislação construída pelo Poder Legislativo. O mais agravante nisso tudo, é que um tema tão sensível, tão vital para a democracia foi posto em plenário virtual, cerceando a defesa presencial da parte contrária que é a imprensa nacional. E aqui, cabe uma crítica à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) por não ter acompanhado esse julgamento.

Inobstante o julgamento ter por objeto um caso específico, a sua consequência descambou para a sistemática da repercussão geral. Isso acontece quando, determinados assuntos têm potencial de impactar a sociedade em geral, como aqui foi com o cerceamento da imprensa nacional. Uma verdadeira mordaça para o poder mais democrático que existe, que é a informação.

Somente em Estados ditatoriais, a imprensa tem sua liberdade vigiada, onde é lhe entregue um script sobre o que deve ser noticiado. Trago aqui, o voto do então ministro Marco Aurélio, hoje aposentado, quando do início da apreciação do tema, onde elencou: “A intervenção do Judiciário dá-se voltada ao controle do abuso. No caso, a conduta do jornal não excedeu o direito-dever de informar. Entender pela responsabilização, ao que se soma a circunstância de tratar-se de julgamento sob a sistemática da repercussão geral, sugere o agasalho de censura prévia a veículos de comunicação”.

Já a ministra Cármen Lúcia entendeu em seu voto, que há uma necessidade do veículo de comunicação adotar “protocolos de apuração da verdade”. Mas como assim? A opinião é um ato personalíssimo, sendo que imprimir uma rédea sobre o entrevistado é escantear a liberdade de expressão, outro pilar estrutural da nossa democracia.

Em tempos de embates de todos os lados, seja do Poder Legislativo ou do Poder Judiciário, ampliar o holofote da fake news para o exercício do jornalismo profissional pode até parecer a via mais encurtada e menos trabalhosa. Porém, é o caminho mais próximo para a corrosão da nossa tão cara democracia.

Obedecemos a Constituição Federal e deixemos a imprensa livre!

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