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O Poder e seus poderes, por Frederico Cortez

Frederico Cortez é advogado, sócio do escritório Cortez&Gonçalves Advogados Associados. Especialista em direito empresarial. Assessor jurídico na Secretaria de Defesa Social no município de Caucaia-Ce. Co-fundador do Instituto Cearense de Proteção de Dados- ICPD-Protec Data. Consultor jurídico e articulista do Focus.jor. Escreve aos domingos.

Por Frederico Cortez
cortez@focus.jor.br

Passagem inicial da Constituição Federal de 1988, retrata no caput do seu segundo artigo que os poderes executivo, legislativo e Judiciário são “independentes e harmônicos entre si”. A premissa básica para um entendimento inicial deve ser pautada pela seguinte lógica: o Poder Legislativo legisla; o Poder Executivo executa e o Poder Judiciário julga. O que parece e deveria ser simples, não o é! Dentro da própria CF/88 há uma contraforça nesse sentido.

Após anos de advocacia, conclui que o Brasil tem muitas leis, fazendo transparecer que somos uma nação de uma corrida rasa de apenas 100 metros, e que desaceleramos ou paramos de vez ao alcançar os primeiros 30 metros. Temos uma paixão regrar e regulamentar tudo e ao mesmo tempo não existe esse animus em colocar em prática as mesmas. Ou, executá-las aquilo que só atenderá desejos isolados de certa parte dos interessados. O país é de uma dimensão continental, mas nem por isso deva ter uma legislação à altura. Menos é mais, e vale para tudo na vida, inclusive na política.

A mixórdia é tão complexa, que muito embora a função de julgar esteja afeita ao Poder Judiciário, dentro do Poder Legislativo há um próprio microssistema togado que tem o poder de anular (ignorar) uma decisão da justiça. Isso mesmo. O que parece estarrecedor dentro desse habitat é que vai contra o que impera na normativa legal, que preceitua “quem pode mais, pode menos” e não o inverso (“quem pode menos, pode mais”). Estranho e esquisito. Mas repiso, tudo isso está dentro da Constituição e dentro de uma interpretação. Aqui está o nó cego!

A disputa mais recente entre a tutela sobre a força entre os poderes está no PL nº 51/2019, que altera a Lei de Diretrizes Orçamentária. Nessa semana, Congresso Nacional pode votar o Veto 52/2019 ao PL do orçamento impositivo. Explico. De acordo com o texto legislativo já aprovado por deputados federais e senadores (Congresso Nacional), o Legislativo terá o “poder” para gerir a execução de um orçamento no valor gigantesco de R$ 30 bilhões. Esse orçamento não faz parte de recursos internos das casas legislativas (Câmara dos Deputados e Senado Federal) e sim do Executivo. Mas, não escrevi mais acima que o Legislativo legisla e o Executivo executa? Pois é! Também disse que gostamos de complicar o simples! Lembremos.

Outro exemplo. O ministro Celso de Mello do Supremo Tribunal Federal (STF) determino no fim do ano passado (21/12) o afastamento do cargo do deputado federal Wilson Santiago (PTB-PB). O parlamentar foi denunciado pela Procuradoria-Geral da República pelos crimes de organização criminosa e corrupção passiva. Na denúncia, há provas incontestes e inelutáveis sobre a participação do senhor deputado nos delitos ventilados, tais como: fotografias de pagamento de propina realizada no apartamento do dito político e em seu gabinete. Ou seja, a decisão foi fundamentada no arcabouço probatório apresentado pelo MPF. Assim, a Câmara dos Deputados invade a competência exclusiva do Poder Judiciário de julgar, ao lançar mão de um dispositivo constitucional (isso mesmo!) ao proteges os seus.

Agora vem o “casuísmo brasileiro”! A decisão de que o parlamentar só pode ser afastado, mediante autorização pelo Congresso Nacional veio justamente do próprio STF, após um longo julgamento no ano de 2017. Aqui, a Corte constitucional desveste-se do seu poder mor de julgador e submete-se à aquiescência do casa legislativa (Câmara dos Deputados e Senado Federal). Mas atenção, a própria CF/88 é quem decidiu essa marmota legislativa. O art. 55, inciso IV da Carta Magna, vaticina que “perderá o mandato o Deputado ou Senador: que sofrer condenação criminal em sentença transitado em julgado”.

Agora vem o golpe contra a República e democracia. Mais abaixo do próprio enunciado legal, mais precisamente em seu §2º, determina que em casos de condenação criminal de deputado federal ou senador, após esgotados todos os recursos cabíveis (transitado em julgado), quem por último decidirá sobre o afastamento ou não será a Câmara dos Deputados ou o Senado Federal. Assim sendo, a depender do espelhamento da influência do parlamentar criminoso julgado e condenado pela “justiça” em ação criminal, nada lhe acontecerá. É o nosso sistema legal, não nos esquecemos disso! O STF apenas segue o que a Constituição Federal exige, não tem o poder de legislar. No caso específico, a recíproca não vale para as casas legislativas (Câmara Federal e Senado), que legisla e julga, a conduta dos seus irmanados dentro dos atos parlamentares e fora (ações criminosas).

Em passos contínuo, adentremos agora na confusão que se estende também ao Poder Judiciário que ultrapassar os seus limites determinados pela CF/88. Uma das críticas mais severas, vem sendo apontada para o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Criado para 2004, por meio da Emenda Constitucional nº 45, o CNJ nasceu para “aperfeiçoar o trabalho do sistema judiciário brasileiro, principalmente no que diz respeito ao controle e à transparência administrativa e processual”. Trocando em miúdos, incialmente, a sua função estava restrita ao campo administrativo e financeiro do Poder Judiciário. Contudo, de lá pra cá, o Conselho vem desviando da sua linha. Outro exemplo. O CNJ editou no ano de 2015 a tão polêmica audiência de custódia, através da Resolução nº 213/2015.  Esse conjunto de diretrizes escapa a sua função de gestor administrativo do Poder Judiciário. Verdade seja única, inobstante ao mérito do instituto da audiência de custódia, os seus regramentos adentram frontalmente em questão penal e processual penal, o que compete exclusivamente à União legislar.

Tandem, para não ser leviano, passemos agora para o Executivo. Aqui, há um empoderamento maior por força do poder econômico de fácil alcance alocados nos cofres públicos. Aos governantes não cabe tudo. Apesar da sua liberdade em administrar a coisa púbica insculpido em seu poder discricionário, o governante encontra óbice em seus atos e condutas. O fim maior, que é a coletividade e o trato ordeiro com o dinheiro público, deve ser a bússola a ser seguida pelo chefe do Executivo.  Agindo como fiscalizador, em obediência ao sistema de freios e contrapesos, imperiosa a participação ativa dos órgãos fiscalizatórios em sede de Ministério Público (MP), Tribunal de Contas da União (TCU), Tribunal de Contas do Estado (TCE), Controladoria-Geral da União (CGU) e, principalmente, a sociedade civil.

Preocupa-me, não o fato da abundância legislativa. Mas, sim, as interpretações e mansidão em relação a determinados fatos, como estes apontados no presente escrito. Voltando a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, lá em seu primeiro artigo, parágrafo único, nos ensina que: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. Assim, ao “povo” não cabe tão somente eleger e sim fiscalizar e cobrar uma conduta proba, retilínea, republicana e democrática do seu representante político ou governante. Força para isso já foi demonstrada, basta tão somente querer. República significa “coisa do povo”, oriunda do latim  res publica.

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