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ChatGPT-3 e o meu futuro na escrita. Por Angela Barros Leal

Acabei de saber que foi decretada minha obsolescência na produção de textos. Em um momento de conversa informal, distante de qualquer ambiente tecnológico, ouvindo ecos de marchinhas carnavalescas, fui apresentada a um aplicativo denominado ChatGPT-3, dito a maior revolução desde a criação das redes sociais.

Não recorra ao Google: já antecipei essa curiosidade, e informo que GPT se traduz como Generative Pre-trained Transformer, uma “máquina de aprendizado de rede neural” que utiliza dados da internet para produzir qualquer tipo de material escrito. 

O numeral 3 indica ser essa a terceira geração inovadora de Inteligência Artificial, projetada para gerar (daí o generative) artigos noticiosos, matérias informativas, desenvolver histórias, compor poemas, e para oferecer respostas racionais a perguntas a ele feitas. Ou seja, para escrever como qualquer um de nós o faria. Quem sabe, até melhor.

O que se imaginava ser impossível às máquinas, como superar as complexidades e nuances da linguagem, sem perder de vista o fio do bom senso, é uma realidade colocada hoje ao nosso alcance pelos cérebros privilegiados dos programadores.

Testo o aplicativo com uma orientação aleatória: peço mensagem de estímulo a uma suposta amiga, que superou momentos difíceis, mas ainda se encontra supostamente abalada por eles. Recebo de volta um inspirado e correto texto, no qual desfilam palavras sensatas e encantadoras, acima e além do que qualquer um de nós escreveria.

“Seu exemplo é um farol a iluminar meu caminho”, leio, como em um passe da mágica, na tela do meu celular. “Mesmo que parecesse difícil, você não se deixou vencer pelas agruras da jornada”. Hmmm…. Detecto preciosismos de linguagem que não harmonizam com o que eu colocaria. Dizem que o estilo é o homem (ou a mulher), mas talvez o estilo seja agora a máquina.

“Invista no que você sonha, e acredite que o sonho pode ser real”, prossegue a mensagem desincorporada, digitada na tela por dedos invisíveis. “Descubra o que você realmente quer, e aceite com sinceridade”, sugere o autor-autômato, alimentado (ou pré-treinado) para escolher aqueles termos, naquela dada situação.

A percepção da leitura é estranha. Talvez eu não tenha enunciado minha necessidade com exatidão. Talvez nem todas as situações já estejam transformadas em frases. E, estranhamente, o que o aplicativo me disponibiliza parece se assemelhar às cartas prontas, do século passado, enfeixadas em livros adquiridos pelos donos de corações apaixonados.

Acredite-se ou não, houve um tempo em que tais publicações especializadas dominavam um nicho de mercado, fornecendo combustível textual para conquistar e manter amizades e amores, para abrandar com belas frases as dores dos rompimentos, para demonstrar gratidão, para implorar por desculpas.

Comprava-se o livrinho, passava-se uma vista d’olhos sobre as cartas prévia e profissionalmente elaboradas, escolhia-se dentre elas a que mais se adequava à situação vivida, tomava-se caneta e papel, e em caprichada caligrafia lá se ia a correspondência rumo a seu destino.

É bem possível que eu esteja cometendo um anacronismo, nessas primeiras décadas do século XXI, ao tratar de cartas manuscritas em uma crônica que, de início, ambicionava louvação tecnológica. Mas assim funciona a nossa mente, por bem ou por mal. 

Verdade é que o produto do Chat GPT-3, apesar de impecável na gramática e ortografia, costura o que a mim pareceu uma sucessão de frases feitas, necessitando zelosa edição para ser assumido como algo pessoal. Soa rígido, linear. Lapidar em demasia, assumindo aqui o real sentido de “lápide”, inscrições eternizadas na pedra – ou nos algoritmos.

E por falar em pedra, uma amiga joalheira me explicou que, ao ser solicitada para avaliar joias, descarta como falsas as que se mostram demasiado perfeitas. A Natureza não faz as pedras sem falhas, ela justifica. Aquelas de fato valiosas apresentam pequenos defeitos. 

Acho que aí está a diferença entre o nosso texto humano, sinuoso, irregular, carregado de inesperadas conexões, e a exatidão previsível oferecida pela Inteligência Artificial. 

Quem sabe, são justamente essas falhas que podem me dar ainda mais um tempo na atividade da escrita… 

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