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A lei contratual no compartilhamento de senhas em plataforma streaming. Por Frederico Cortez

Frederico Cortez é advogado, sócio do escritório Cortez & Gonçalves Advogados Associados. Escreve aos fins de semana.

Por Frederico Cortez

O entretenimento digital via plataforma streaming assumiu o posto da diversão da família brasileira, substituindo a televisão convencional com parcas opções em sua grade de programação. O que antes se iniciou como um serviço pago para fins de uso próprio em sede residencial, houve um avanço na medida do compartilhamento de senhas de acesso com terceiros não contratantes.

A batalha agora é legislativa e ao mesmo tempo jurídica, uma vez que diversas assembleias legislativas estaduais protocolaram vários projetos de lei nos últimos meses , para fins de garantir aos consumidores esse “direito” de compartilhamento gratuito de senhas com outras pessoas.

O primeiro embate a se travar nessa questão é quanto a definição da competência legislativa sobre o assunto, uma vez que a Constituição Federal de 1988 em seu art. 22, inciso IV, determina que cabe a União legislar privativamente sobre telecomunicações e radiodifusão. Importante frisar que o conceito de “streaming” não se enquadra em nenhuma dessas modalidades. Isso não é novidade, pois o Conselho Diretor da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) concluiu em setembro de 2020 que a distribuição de canais lineares pela internet (streaming) é considerada como um Serviço de Valor Adicionado (SVA).

De outra banda, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) compreendeu em julgado específico que a transmissão via internet recebe a proteção da Lei de Direito Autoral (Lei 9.610/98), em seu art. 29, inciso X, onde prever que a utilização de qualquer obra intelectual depende de autorização prévia e expressa do seu autor e independentemente da modalidade existente ou que venham a existir no futuro. Aqui, o legislador foi sábio ao não engessar o conceito de transmissão e publicação de obra intelectual pela via existente ao tempo da construção da lei específica.

Em sede da competência legislativa das assembleias estaduais sobre matéria de direito do consumidor, em 2020 o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu por maioria dos votos pela competência concorrente do Poder Legislativo estadual.  Todavia, não caberá ao legislativo esse mister quando a norma federal escantear a competência estadual para atuar sobre consumo. Assim sendo, no que pese ao dilema sobre a legalidade ou não da cobrança extra sobre compartilhamento de senhas em serviço streaming, não resta constatada a inconstitucionalidade formal nos projetos de lei já apresentados nas casas legislativas estaduais.

A cobrança adicional para essa facilitação no uso do streaming já foi resolvida nos Estados Unidos, onde ocorreu um acréscimo no número de assinantes após esse novo serviço disponibilizado (compartilhamento de senha com terceiros). Infere apontar que lá (EUA) tem-se uma cultura legalista, onde a segurança jurídica dos contratos faz “lei maior” entre as partes. Diametralmente oposto, aqui no Brasil os poderes Legislativo e Judiciário são imbuídos do fenômeno da interpretação extensiva, para além do que está escrito na letra fria da lei. Em sede de direito do consumidor brasileiro, amplia-se ainda esta proteção legal mais favorável ao assinante do serviço streaming.

De certo que essa troca de forças legislativa e jurídica para definir se o compartilhamento gratuito de senhas é legal, do ponto de vista moral não o é. No campo do Direito, nem tudo que é legal se reveste de moralidade, o que o inverso também é uma assertiva.

Não podemos esquecer que no início desse serviço, o assinante contratou um serviço específico para o seu uso doméstico, onde a facilidade da plataforma streaming por equipamentos móveis (celular, computador, tablet) é um atrativo a mais para a sua contratação e não a essência principal do sistema de transmissão via internet. Agora, com a evolução da tecnologia não há mais a necessidade de um equipamento fixo na residência do consumidor para ter acesso ao streaming, podendo o serviço ser contratado diretamente de um aparelho móvel.

O debate é interessante, onde temos aqui a competência dos estados em legislar sobre direito do consumidor e que o objeto não faz parte da competência privativa da União, sendo que ao mesmo tempo há uma lei federal (Lei de Direito Autoral) que garante ao autor da obra intelectual ou titular dos direitos autorais autorizar a sua utilização ou não.

Assim, dentro da temática streaming, avalio que a lei especial (Lei de Direito Autoral), prevalecerá sobre as futuras e próximas leis estaduais que vedem a cobrança extra pelo compartilhamento de senha. Desta feita, a segurança jurídica deve ser preservada por meio da legalidade contratual para as plataformas digitais de transmissão de conteúdo via internet.

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