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Uma análise preliminar do Arcabouço Fiscal e seu plano de voo; Por Alexandre Cialdini

Alexandre Sobreira Cialdini é economista e Doutor em Administração Pública. Comandou as finanças de diversos municipios, incluindo Fortaleza por oito anos.

A Emenda Constitucional Nº 126, de 21 de dezembro de 2022 definiu que até 31 de agosto de 2023, o governo federal deverá encaminhar ao Congresso Nacional o projeto de lei complementar, com o objetivo de instituir o novo regime fiscal brasileiro.

O Governo buscou se antecipar para demonstrar a necessidade de harmonização entre as políticas fiscal e monetária, com intuito de provocar uma revisão da taxa SELIC junto ao Conselho de Política Monetário e, sobretudo, estabelecer um plano de voo, com regras fiscais para um período de 4 anos.

A regra depende da aprovação do Congresso Nacional e o texto final ainda será conhecido. Todavia, podemos tecer algumas análises.

Há uma questão que não pode deixar de se considerar, o ambiente externo não tem ajudado. Os episódios envolvendo bancos nos Estados Unidos da América e na Europa elevaram a incerteza e a volatilidade dos mercados e requerem monitoramento e isso tem contribuído para as economias centrais estejam enfatizadoso princípio da separação de objetivos e instrumentos na condução das políticas monetária e macroprudencial.

Paralelamente, uma análise da literatura recente tem demonstrado que os indicadores de inflação apontam para alguma estabilização dos núcleos de inflação em diversos países em patamares superiores às suas metas. Ou seja, têm reforçado um caráter inercial do atual processo inflacionário.

Em relação ao cenário doméstico, o conjunto dos indicadores mais recentes de atividade econômica segue corroborando o cenário de desaceleração esperado pelo Copom.

Assim, o Copom aponta que: 1-uma maior persistência das pressões inflacionárias e desaceleração econômica globais; 2- existe uma incerteza sobre o arcabouço fiscal e seus impactos sobre as expectativas para a trajetória da dívida pública.

No âmbito externo, tomando como exemplo a economia norteamericana, o Governo Biden editou em 2022, a Lei de Redução da Inflação, que alterou uma ampla gama de leis tributárias e forneceu fundos para melhorar os serviços de tecnologia para facilitar a declaração de impostos (https://bityli.com/X54Rkg).

Como a Lei de Redução da Inflação é um plano de 10 anos, as mudanças não acontecerão imediatamente. A lei americana de redução da inflação de 2022 estabelece uma recomposição histórica na redução do déficit para combater a inflação, investir na produção e fabricação de energia doméstica e reduzir as emissões de carbono em cerca de 40% até 2030.

A nova proposta americana pode beneficiar o Brasil na perspectiva que o país tenha que investir em cadeias de suprimentos de uma matriz não carbonizada.

Assim, os Estados Unidos e a Europa também vivem em meio às pressões inflacionárias, que assolavam o país e ao conflito entre Rússia e Ucrânia gerando inflação de oferta, elevando preços de insumos e, sobretudo, da energia, além de colocar em risco a segurança energética global.

A Lei americana prevê a aplicação de US$ 430 bilhões para o combate à inflação e às mudanças climáticas. A medida teve como pilares centrais, além da questão climática, os preços de medicamentos e ainda a tributação das grandes empresas.

O nome da Lei está relacionado ao efeito deflacionário esperado por meio do investimento em tecnologias de baixo carbono e por medidas que buscam reduzir o déficit do país, ou seja, o país também precisou adotar suas medidas domésticas para mitigar a crise externa. 

No Campo doméstico brasileiro não poderia ser diferente. Desde 1997 (Governo Fernando Henrique Cardoso) até 2010 a União tem gerado superávit primário (receita menos despesa, excluindo o lado financeiro).

De 2003 a 2010 este superávit primário foi superior a 2% do PIB, demonstrando também que a responsabilidade fiscal fortaleceu os investimentos públicos e induziu os investimentos privados. A partir de 2010 e, especificamente, de 2014 a 2022, tivemos períodos recorrentes de déficit primário ampliado por crises da Covid e início do conflito Rússia e Ucrânia.

O plano de voo montado inicialmente, até porque não temos o texto final e o texto precisa ser aprovado pelo Congresso, faz propostas importantes, mas também nos deixa uma série de interrogações.

O que é importante e relevante, mas também precisa ser crível.

1- Haverá piso e teto para investimentos, teto para garantir também que as despesas em caráter continuado possam ser garantidas pelo crescimento das receitas primárias;
2- As despesas primárias do governo estarão limitadas até 70% da variação da receita realizada nos últimos 12 meses, tendo como referência o mês de junho/2023;
3- O Governo definiu um sistema de bandas no quadriênio 2023 – 2026, onde o crescimento real das despesas variará entre 0,6% a 2,5% ao ano.
4- Os investimentos em educação e saúde ficarão de fora do limite para gastos, porque já têm vinculação constitucional. Os gastos com o novo piso de enfermagem também serão excluídos da trava nos gastos.
5- As contas públicas terão uma meta, caso seja gerado resultado primário, em 2024. A previsão em 2023 é de um déficit primário (receitas menos despesas, descontando o pagamento de juros da dívida púbica) de 0,5% do PIB. Em 2024, este déficit ficaria zerado. E, em 2025, haveria um superávit de 0,5% do PIB.
6- Uma trava de controle da despesa também foi estabelecida, ou seja, se, por outro lado, o resultado primário das contas públicas ficar abaixo da meta, o governo é obrigado a reduzir as despesas para no máximo 50% da expansão da receita no ano seguinte.

A intenção e o desenho inicial vêm corrigir os problemas do arcabouço anterior, definido como “teto do gasto”. Todavia, muitas interrogações ficarão à espera de um texto final que diga o “como alcançar os resultados”.

Senão vejamos:

1- Pelo lado do gasto, o indicativo é que o salário mínimo terá tendência de alta, como garantir o crescimento do salário mínimo e seus efeitos na previdência?
2- A despesa com saúde e educação vai aumentar, principalmente na saúde primária, considerando o déficit de gastos nesta área que tem sido assumida por Estados e, essencialmente pelos municípios (municípios já gastam, em média, 27% da Receita Líquida com saúde, nem acima dos 15% da Emenda Constitucional);
3- Na sequência as despesas com INSS, LOAS e FAT também irão aumentar;
4- O investimento deverá aumentar, considerando os anúncios recentes de retomada de alguns programas importantes, como o Minha Casa Minha Vida;
5- O gasto com pessoal não vai cair, pelo contrário, haverá pressão para reajustes que ficaram represados no Governo Bolsonaro, bem como a necessidade de recomposição de novos quadros de pessoal;
6- O gasto primário cresceu mais de 3%,em termos reais, em 2022, e o próprio Governo prevê um crescimento real da ordem de 6% em 2023.Assim, com este contexto o Governo deve esperar uma exuberante receita primária.

Importa mencionar que entre o biênio 2021 e 2022 a receita do Imposto de Renda Pessoa Jurídica, proveniente da Petrobras e IR na fonte sobre aplicações financeiras – aumentou 0,90% do PIB, a de dividendos, 0,39% do PIB, a de concessões, 0,36% do PIB e a de exploração de recursos naturais, 0,28% do PIB, somando um adicional de 1,93% do PIB, um resultado excepcional que, provavelmente, não acontecerá em 2023.

Portanto, o caminho do arcabouço, o roteiro de voo está lançado, falta dizer como chegar e fazer a trajetória acontecer. Afora isso, é preciso combinar não apenas com os russos, mas também com chineses, ucranianos, americanos e europeus e, domesticamente, acertar o roteiro como os Estados e Municípios.

Torcemos para que o arcabouço do projeto e a Lei de Diretrizes Orçamentárias possam estabelecer o roteiro mais detalhado do plano de voo.

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